terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Avatar, o filme

Eduardo Ribeiro Mundim

Avatar, o filme, traz alguns pontos provocantes. Não há dúvida sobre o visual, belíssimo (seja natural ou da tela do computador). Aceito a adequação do idioma criado especificamente para os Na'vi. Entendo a propaganda que diz ser o filme um marco, do ponto de vista técnico.

Mas o roteiro peca, em alguns momentos importantes.

A solução militar não combina com a imagem paradisíaca do lugar. Ok, os Na'vi são guerreiros, mas não me pareceu que fazem da guerra uma arte. Antes, do saber viver integrado ao mundo que habitam, aceitando a caça como modo de adquirir alimento, sem deixar de sentir tristeza pelo fato - mas justificando-o pelo retorno da "energia" à fonte original. Como ele faz referência a outros universos (os livros "Eragon" e "O Senhor dos anéis", a trilogia "Matrix", o filme "Dança com lobos"), poderia tê-los criado vegetarianos como os elfos. Naquelas mitologias, guerreiros quando necessário, mas habitualmente pacíficos.

É particularmente irritante a cópia do comportamento estereotipado dos indígenas nos filmes de faroeste - o som emitido pelos Na'vi convidando para a batalha é plágio evidente.

Infelizmente Jake Sully torna-se um habitante de Pandora de "corpo e alma" por necessidade, e não por livre escolha. Talvez o maior erro do roteiro, preso talvez a "Dança com lobos". "Transfere-se" para seu avatar porque seu corpo não tem mais chances de sobrevivência na atmosfera de dióxido de carbono, metano e amônia. Poderia, de livre e espontânea vontade, rompido seus laços com os humanos ao decidir lutar, até a morte, contra eles. Muito além de uma "conversão" mais politicamente correta, deixaria clara a opção por um modo de vida, e valores, absolutamente diferentes daqueles no qual fora criado.

Sendo tão alicerçado nos faroestes, não há como escapar das lições da história: os brancos sempre venceram. Venceram porque tinha uma superioridade tecnológica e eram em número cada vez maiores que os índios norte-americanos. Venceram porque tinham uma ambição de expansão (a aventura) e uma justificativa (fazer dinheiro). Os humanos perderam, no filme, uma batalha; mas perderam a guerra? A solução militar encontrada fica provisória, com promessa de mais destruição (e provável derrota), se houver continuação; ou no imaginário do espectador, na falta desta.

A história também é presa ao maniqueismo habitual, onde aqueles que detêm o poder entre os humanos, nada aprendem. Nos últimos anos o conceito de "desenvolvimento sustentável" tem sido debatido e objeto de experimentos de viabilidade. James Cameron quis transmitir com o filme a expectativa que estes esforços atuais falharão? Desejou apenas fornecer momentos de entretenimento estético sem preocupação com o conteúdo, ou com alguma mensagem de esperança? Ou é basicamente pessimista? Pessimismo não é, exatamente, o que impulsionou seu último sucesso, "Titanic".

Há pelo menos uma provocação bioética: "vejam, um demônio com corpo mas sem alma" (segundo minha lembrança da cena), brada Tsu'Tey, futuro líder do clã Omaticaya. Quando Jake tem sua ligação com o corpo avatar interrompida, este desaba no solo, "sem alma". É possível criar corpos "sem vida" (ou seja, "sem alma"?). Como no primeiro filme da trilogia Matrix, é possível manter corpos funcionando sem vida relacional, onde os corpos, e não só a vida psicológica, está envolvida? (Em Matrix, os corpos que serviam como fonte de eletricidade para as máquinas eram mantidos em repouso, mas eles sonhavam que viviam, e se inter-relacionavam com os demais corpos apenas nos sonhos, sem envolvimento biológico real).

Mas talvez a maior provocação seja "o que é religião?" Eram os habitantes de Pandora religiosos? Eles tinham uma deusa (Eywa )?

A cientista Grace Augustine descobre que todos os seres vivos no planeta se interconectam, à semelhança dos neurônios humanos. Seres racionais se interconectam, racionais e irracionais, e mesmo racionais e vegetais. Esta descoberta é um modelo científico, mostrado pelas análises realizadas por ela, de diversos modos. Seria Eywa uma deusa, ou "meramente" um nó de intercomunicação entre todos os seres vivos? Os Na'vi se comportavam de modo religioso (por exemplo, as atitudes tomadas para a transferência de corpos, uma grande dança coletiva, regida por música), mas havia uma explicação racional e mensurável para o efeito. Seria Pandora, uma lua, um ser vivo e racional (como permite deduzir de sua participação na batalha final)?

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