domingo, 28 de fevereiro de 2010

Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?

Eduardo Ribeiro Mundim

Peter Rollins, no livro "How (not) to speak fo God" (Paraclet press), tece interessantes comentários sobre o sábado de aleluia. Inicia comentando como a Paixão tem que ser vista como uma unidade, pois a crucificação e a ressurreição se completam, não só enquanto drama histórico, mas como teologia. Uma não subsiste sem a outra, em nenhuma das duas vertentes. Contudo, as horas que separam estes dois eventos são pouco usadas como reflexão, apenas como um momento de espera.  Ele propõe a seguinte estória:

No dia em que Jesus foi crucificado, um grupo de seguidores embalou seus pertences e saíram em busca de um novo lar, pois o abalo emocional sofrido pela crucificação tornavam impossível a permanência deles onde Cristo havia sido sacrificado. Saíram da Palestina, e nunca mais retornaram. Viajaram por milhares de quilômetros até encontrarem um lugar remoto e isolado, onde construíram uma vila. Juraram  proteger a memória de Jesus e viver segundo os seus ensinamentos.

Após 300 anos de isolamento, um grupo de missionários cristãos os encontrou e ficou maravilhado em encontrar uma vila onde todos viviam o modo sacrificial ensinado por Jesus, apesar de desconhecer Suas ressurreição e ascenção. Imediatamente convocaram a todos e os ensinaram o que havia ocorrido, após a partida dos seus pais fundadores.

Naquela noite houve uma grande festa. Um dos jovens missionários notou a ausência do líder da comunidade e saiu a sua busca. Encontrou-o, afinal, em um barraco na periferia do território da vila, orando e chorando. Surpreso, questionou toda aquela tristeza frente à grande notícia trazida. Agachado, em dor, o ancião respondeu:

"Um dia de grande celebração e grande dor. Por 300 anos temos seguido o caminho que Cristo nos ensinou. O seguimos fielmente, apesar do grande custo, e nos mantivemos resolutos apesar do medo da morte tê-lo vencido e de que, um dia, nos venceria."

O ancião levantou-se e fitou o jovem missionário compassivamente. 

"Diariamente renunciamos às nossas vidas por ele, porque o consideramos completamente digno de receber este sacrificio, de receber nosso ser. Mas agora estou preocupado porque minhas crianças e as crianças de minhas crianças podem seguí-lo não pelo valor implícito que Ele tinha, mas pelas promessas que Ele fez."

Com isto, o ancião deixou o barraco, se dirigindo para a festa, e deixando o jovem com seus pensamentos.

O horror da cruz não foi a morte pela tortura lenta, nem a suprema humilhação pública (os condenados eram expostos nus), mas a possibilidade de Deus ter abandonado Deus - este é o inimaginável, o impensável, o intolerável. Entre outras coisas, é o fracasso.
Nesta estória somos apresentados a uma comunidade que seguia Cristo não por causa da ressurreição, mas pela sedução. Eles sabiam o verdadeiro significado daquele brado na cruz, pois viveram com ele até onde sua memória permitia.

É neste local de radical incerteza que nós, como esta comunidade, devemos nos perguntar por que lutamos para sermos fiéis a Cristo. Aqui podemos nos perguntar se é por causa das promessas e segurança, ou se o nosso compromisso com Ele as transcende.

A fé não nasce no sábado de aleluia, mas é nele que ela é testada.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Bispa deixa presidência da Igreja depois de flagrada por bafômetro

Hannover, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010 (ALC) - A bispa Margot Kaesemann, da Igreja Evangélica Territorial de Hanover, pediu demissão da presidência da Igreja Evangélica da Alemanha (EKD), uma espécie de federação de igrejas territoriais, depois de ser pega dirigindo alcoolizada, segundo os padrões alemães.
Patrulha da polícia flagrou-a, no sábado 20, quando Margot furou sinal vermelho ao trafegar com seu carro em rua de Hanover, onde reside. Segundo o tablóide Bild, o teste de alcoolemia acusou uma taxa de 1,3 miligrama de álcool no sangue, equivalente, no caso dela, à ingestão de 0,7 litros de vinho ou 1,5 litro de cerveja.
Kaesemann assegurou que bebeu apenas um copo de vinho. Ela teve sua licença para dirigir retida e os policiais levaram-na a uma delegacia, onde realizou exames de sangue. O resultado do exame não foi revelado. A legislação de trânsito na Alemanha é bastante severa e permite uma concentração máxima de 0,5 miligrama de teor de álcool no sangue.
A demissão da bispa, ontem, repercutiu em diferentes segmentos da sociedade alemã. A chanceler Ângela Merkel lamentou a saída da bispa, a quem admirava, declarou ao Serviço Evangélico de Imprensa (EPD).
“Espero que ela continue a se manifestar”, reagiu o presidente do partido da Social Democracia (SPD), Sigmar Gabriel. A EDK perde uma bispa que angariou respeito muito além das fileiras internas, afirmou a líder reformada Maria Flachsbarth.
O vice-líder do Sínodo da EKD, Günther Beckstein, afirmou para o Serviço de Imprensa Evangélico que, de sua parte, a bispa de Hanover poderia continuar na presidência da Igreja.
O bispo Johannes Friedrich, da Igreja Evangélica da Baviera, entende que a demissão de Kaesemann é uma perda inestimável para o protestantismo alemão. “Estou muito triste com todo esse episódio”, assinalou o bispa Maria Jepsen, de Hamburgo.
Fará falta na sociedade alemã a voz da colega de Hanover, sinalizou a bispa Ilse Junkermann, de Magdeburgo. Margot alcançou tantas pessoas porque dirigia-se a elas “com honestidade, de maneira aberta, mas também prudente, a respeito das possibilidades e fracassos que a vida apresenta”, agregou.
Também da Igreja Católica surgiram manifestações lamentando a demissão da bispa Margot. “Conheço a senhora Kaesemann de longa data como uma pessoa que está preparada para assumir responsabilidades”, afirmou o arcebispo Robert Zollitsch, de Freiburg.
Margot Kaesemann também se retirará da liderança da Igreja de Hanover. A presidência da EKD será exercida, até a próxima eleição, pelo vice-presidente, Nikolaus Schneider.

[veja comunicado em http://crerpensar.blogspot.com/2010/03/demissao-coerente-com-principios-eticos.html]
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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Bênçãos da carne, pecados do espírito

Rev. Sandro Cerveira

“Os pecados do espírito são mais dolorosos que os pecados da carne”
 Tomaz de Aquino

O Carnaval, durante muito tempo, foi um dos principais símbolos de tudo aquilo que deveria ser combatido e evitado pelos evangélicos ou por qualquer pessoa que tenha compromisso com Deus. Parece haver motivo para isso. A própria noção de uma “festa da carne”, durante a qual a ordem tradicional é relativizada se não invertida, sugere que nesse período de “liberou geral” os comportamentos moralmente reprováveis não são apenas permitidos, mas também incentivados. Essa percepção de uma liberalidade exacerbada associada a um período dedicado à “carne” motivou e motiva esforços de igrejas e do próprio Estado no sentido de evitar o pecado, no primeiro, caso e reduzir danos, no segundo. As igrejas pregam contra, exortam, fazem retiros e o Ministério da Saúde faz campanhas, distribui camisinhas (este ano serão 55 milhões de unidades) e facilita o acesso às chamadas pílulas do dia seguinte.
Embora essas ações sejam positivas e necessárias, no sentido de evitar maiores males advindos do exacerbamento dos comportamentos autodestrutivos do período, creio que é preciso ir mais fundo nessas questões.
No que se refere às ações de Estado, uma ponderação. Segundo pesquisa publicada pela Universidade Federal Fluminense em 2008, ao contrário do que se imagina, “o carnaval não está associado a um aumento no número de casos de doenças sexualmente transmissíveis ou dos índices de gravidez.”  Dada a seriedade da instituição que assina a pesquisa, ocorrem-me duas possibilidades: ou os “excessos” carnavalescos não são tão excessivos assim ou as campanhas de prevenção feitas no período estão sendo eficientes. Uma combinação das duas hipóteses também é razoável. O fato de que, segundo o Ministério da Saúde, “o número de partos feitos em adolescentes na rede pública diminuiu 30,6%”  na última década sugere que o acesso às políticas de prevenção e orientação sobre saúde sexual, intensificados nos últimos anos, tem realmente dado resultados positivos. Pondero que, dada essa eficácia, é preciso que elas sejam efetivamente universais e atemporais. A ilusão de que a gravidez indesejada e a contaminação pela AIDS é um castigo para os pecadores que se entregam à devassidão e à promiscuidade já não se sustenta. Apoiar políticas responsáveis que salvem vidas e evitem maiores dores é nosso dever como cristãos, ainda que tenhamos algo mais a dizer sobre o assunto.
Falemos desse algo mais.  A pregação que condena as “obras da carne” por muito tempo foi reduzida à condenação do sexo e até mesmo de qualquer expressão de nossa sexualidade. Nossa noção de pecado ficou tão atrelada a uma visão negativa do corpo que, às vezes, acreditamos ter o mal uma origem física e que uma vida totalmente “espiritual” seria a verdadeira santidade. Reconheço que muitos textos bíblicos dão margem a essa visão, entretanto é preciso olhar o assunto com mais cuidado sob o risco de assumirmos posturas gnósticas e maniqueístas sem o sabermos. Ao escrever a Timóteo, Paulo afirmou  que a origem de todos os males estava no amor... Calma, leia o texto bíblico. “Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.” (1 Timóteo 6:10) A fala de Paulo  nos lembra que amar o objeto errado nos traz muitas dores. Dentre as muitas definições de pecado está aquela que diz que pecar é errar o alvo. O amor, algo divino e intrinsecamente espiritual, quando apontado para o alvo errado se transforma em pecado e morte. De Agostinho sempre lembramos a frase “ama e faze o que quiseres” mas ele também teria dito: “atenta para o objeto do teu amor”. Tomaz de Aquino definiu pecado como “amor mal dirigido”.
Para finalizar, quero enfatizar a necessidade de sermos cuidadosos com as “paixões da juventude”, em especial em dias durante os quais ouvimos que tudo é permitido e não há conseqüências. Para tudo há conseqüência. Tudo tem seu preço e não há como escapar disso. Entretanto, quero nos convidar a uma reflexão mais radical que supera o dualismo carne e espírito, lembrando que o pecado é algo espiritual e que, mesmo que tenhamos o corpo sob total controle ascético, podemos ser miseráveis e perversos em nossos afetos e relacionamentos. Abrindo mão de toda a arrogância, sexismo, autoritarismo, racismo, egoísmo, indiferença (entre outras tantas formas de mal), busquemos ajustar bem o foco do nosso amor: Deus sobre todas as coisas e o próximo como a nós mesmos. (Mateus 22: 35-37)

O título e a epígrafe desse texto são uma referência ao livro que me inspirou a escrever essa pastoral:  “Pecados do Espírito, Bênçãos da Carne: lições para transformar o mal na alma e na sociedade” do teólogo Matthew Fox, publicado no Brasil pela Verus Editora. 

fonte: http://www.segundaigreja.org.br/pastorais_view.asp?id=62

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Avatar: teologia e ciência

Eduardo Ribeiro Mundim

Escrevo desta vez sobre o filme Avatar inspirado pela reflexão do Pastor Christian Gillis, da Igreja Batista Redenção, em Belo Horizonte, publicada na página da Ultimato recentemente (acesse). Minhas primeiras observações sobre o filme, que assisti por duas vezes, foram escritas após a primeira vez (ver em), e foram dirigidas focando outros aspectos. O Pastor Christian traz à tona uma possível teologia panteísta, a iniciar pela escolha do nome (Avatar, na teologia hindu, é uma das encarnações de Vishnu), pelas características planetárias e interrelações entre todos os seres vivos, assim como pela aparência divina do satélite, Eiwa e passando pela própria constituição dos chamados avateres no filme.

Ficção científica é minha leitura favorita desde a adolescência, assim como os romances de fundo histórico. Algumas questões vistas como basicamente teológicas por ele não o são, na minha percepção.

A iniciar pelo contexto: uma obra de ficção científica, feita para divertir nossa imaginação e brincar com o ainda não possível como uma possibilidade real em determinado momento futuro. Não pretende simular a realidade, ou retratá-la mas modificá-la pela fantasia através de recursos minimamente críveis pela possibilidade do desenvolvimento tecnológico.

Os avatares não são uma ideia de James Cameron. O seriado original Jornada nas Estrelas, em um de seus episódios, traz o capitão James T. Kirk frente a uma civilização capaz de transferir a pessoa a um androide extremamente sofisticado, impossível de ser percebido enquanto tal pela aparência externa, textura da pele ou comportamento. A série de Frank Ebert, (Duna, O Messias de Duna, Crianças de Duna, O Imperador Deus de Duna) também flerta com a ideia de imortalidade, através da gestação de um clone da pessoa, que seria "desperta" dentro do mesmo através de uma violenta experiência emocional.

Teologia fala a respeito daquilo que é revelado sobrenaturalmente, e não daquilo que é observável na natureza, seja diretamente através dos cinco sentidos naturais, seja através da extensão dos mesmos, pela tecnologia. Os seres vivos de Eywa estão interligados através de uma rede que pode ser estudada, medida, modelada e testada. Certos animais se tornam parte dos Na'vi através de um contato físico, assim como é possível a conexão com o próprio satélite através de uma ligação física. Nada há de sobrenatural; aquele mundo apenas é assim (lembrando que estamos falando de uma obra de ficção que, até prova em contrário, pretende, em primeiro lugar, entreter).

Quando os humanos são introjetados nos seus avatares, vivem dupla vida: nos seus corpos humanos, em sono profundo, e nos corpos biológicos dos avatares, plenamente conscientes, ativos, senhores de suas decisões. No filme, pura ciência. Igualmente, pura ciência quando Jake Sully abandona seu corpo humano em prol do seu corpo Na'avi. Não vejo migração de almas nisto, no sentido religioso do termo, mas "transferência de pessoa" no sentido científico ("conexão neural" na gíria do filme). Mas estamos no mundo da ficção, e não da realidade. O diretor brinca com o sonho de imortalidade, de superação, de se tornar "super".

Ele também brinca com a possibilidade do próprio satélite Pandora,Eywa na linguagem dos seus habitantes racionais, ser um ser vivo com o qual é possível comunicar. Eywa não tem, em momento algum, atributos divinos de onipotência (longe disto) e onisciência (quantas coisas ela ignorava...). Atributo materno, de fonte de tudo, sim, mas estritamente físico, e não espiritual ou ontológico. Nenhuma novidade, já que a "hipótese Gaia" (conferir) não é nova.

Mas Mo'at é sacerdotisa, e intérprete única da vontade de Eywa. Neste ponto insere-se a teologia, que pode ser vista também na reação dos habitantes de Pandora ao seu mundo. Não foi assim que nossos antepassados reagiram, quando não compreendiam as forças da natureza e lhes atribuíam status de divindade? Não há como não ver uma liturgia na tentativa de transferir a doutora Grace para o seu avatar, bem como a de Jake: comunidade reunida, cantando a uma só voz (a letra da música é desconhecida por mim,mas pouco importa), irmanados entre si e conectados a algo maior que ela mesma. Contudo, a conexão é física, e não espiritual; não é com um deus, mas com um ser vivo maior, que pouco consegue falar por si mesmo, e que exerce muito da função mãe. Neste ponto, temos teologia não como uma fé revelada, mas como uma compreensão não-verificável do mundo - uma construção bem humana.

Não consigo ver perigos reais neste filme. Ele inspira comportamentos altruístas, faz uma crítica ao nosso modo de exploraçao econômica do planeta Terra, e, segundo alguns, questiona o militarismo norte-americano. Mas é uma obra de ficção sem compromisso nenhum com nossa realidade. Tenho mais medo de Batmans, de big-brothers, que inspiram o que há de pior em nós, fazendo a apologia da violência como remédio único e adequado, ou da superficialidade e egoísmo nas relações humanas.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A voz de Deus, a voz da covardia?

Bráulia Ribeiro

Do meu lado um jovem líder que trabalhou alguns anos comigo discutia com outro:

-- O palestrante quer ir comigo jantar fora, por que eu não posso levá-lo?

-- Por quê? Ué, porque eu não quero e pronto. Não preciso te dar nenhuma razão, sou o líder desta conferência.

Eu era apenas uma expectadora fortuita da discussão, mas na hora em que ouvi "não quero e pronto, sou o líder" na boca daquele jovem, senti um vento frio soprar no mundo, como daqueles que sopram quando alguém comete um pecado capital contra o universo. Conversei depois com o rapaz, me desculpando, certamente eu devo ter falado assim com ele muitas vezes no passado. Foi como assistir a um filme de terror onde eu mesma era a protagonista.

Igreja lotada, domingo à noite, o louvor flui suave. O pregador no microfone diz:

-- Vamos ouvir agora uma mensagem vinda de Deus.

Ouvimos, se foi Deus não sei, mas não me disse muita coisa.

O louvor continua a nos embalar. O encarregado da oferta aproveita e convence:

-- Você não está dando para nós. Está dando para Deus. E ele vai retribuir sua generosidade, mas vai também saber punir se você pode dar e não quer.

Assim que ouço a frase categórica sou transportada para uma masmorra da Idade Média, à espera da sentença do inquisidor. Tudo é escuro, úmido e frio, minhas mãos e rosto se apertam na grade de ferro, o coração bate forte de medo e dor sabendo que meu destino está nas mãos de pessoas que se sentem capazes de serem a própria voz de Deus na terra.

Ajudei na revisão de um livro e enquanto lia o texto em voz alta repetidas vezes não pude deixar de notar o tom extremamente apologético da autora. Como a conheço pessoalmente, chamei-a para uma conversa "internética".

-- Landa, suas declarações são muito tímidas, você se defende muito. Acho que talvez em inglês isto seja necessário, mas em português fica meio estranho. Parece que você duvida do que diz, se desculpa demais ao afirmar certas coisas.

-- Bráulia, tem que ser assim. Não se preocupe se parecer demais. Meu tom humilde foi intencional.

"Tratutore traittore", claro continuei arrancando umas trezentas frases desculpadoras e permitindo, por causa da vontade da autora, umas tantas outras que gostaria de ter tirado.

Tem uma coisa que se chama espírito da época. Por espírito não quero dizer uma entidade mística sobrenatural, mas uma atmosfera cognitiva, uma nuvem de conhecimento que envolve toda a humanidade nos tornando sensíveis para algumas coisas, conscientes de algumas ideias e alheios a outras.

Os seres humanos hoje são profundamente conscientes de sua individualidade. São conscientes de sua habilidade de tomar decisões, de seu poder de fogo. O jovem se sente dono de seu destino, e é. É parte do espírito da época a autoajuda, autoconquista, a independência, o se reinventar, o recomeço. Deveria agora acrescentar uma série de acadêmicos famosos que concordam comigo, mas, me desculpem, não faço por absoluta falta de espaço. Melhor ainda seria dar exemplos musicais e de filmes, porque na arte vemos este espírito bem claramente. Tenho certeza de que se você pesquisar vai encontrá-los em profusão.

A igreja evangélica brasileira, no entanto, na contramão da história, continua usando uma retórica medieval. Não somos capazes de propor ideias com coerência e argumentação inteligente. Por isto, na maioria das vezes, optamos por impor ideias por meio de manipulação mística. As expressões "foi Deus", "é de Deus", "em nome de Deus", corroboram afirmações desconexas, interesseiras, cruéis, ou simplesmente inúteis. Usamos clichês religiosos por falta de raciocínios pautados pela lógica. Nos ocultamos atrás da suposta vontade de Deus para não nos expor ao escrutínio de nossos liderados. Tratamos as pessoas como um rebanho de ovelhas burras e a nós mesmos como seres semidivinos, infalíveis, um verdadeiro ato de esquizofrenia religiosa.

Esquecemos que as metáforas que Cristo usava para si hoje se aplicam a nós, seu corpo. Não somos simplesmente ovelhas. Somos pastores, somos o pão, a porta, o caminho, a verdade e a vida. Esta "verdade", devidamente traduzida para o espírito da época, não deve se impor. Ela chega como uma proposta lógica, coerente respaldada pela própria realidade humana que nos cerca. Ela não chega como a única opção de maneira alguma. No mundo de "fast-everything", multiuso, multifacetas, tudo é possível. As propostas são inúmeras; as opções religiosas, costumizadas; a verdade (qualquer que seja ela) está ao alcance de todos. Deu-se a largada. Todos correm em busca de fregueses. Os prepotentes encontrarão súditos. Os mais humildes encontrarão os verdadeiros servos. (Fp 2.5-8)

Uma teologia coerente com o século 21 admite seus erros, revisa sua história, reconhece seus dogmas, tem medo de si ensimesmar, de se afogar em seu próprio vômito. É uma teologia dialógica. Ela necessita do diálogo com o outro como ar para respirar; checa sua autenticidade nas ruas e não nas catedrais.

Hoje, se pudesse, revisaria de novo o livro da Landa e lhe devolveria as frases que cortei. Hoje, se eu pudesse, não seria a líder, seria a serva. Hoje, se eu pudesse, não seria Deus, seria o outro. Assim penso que cumpriria a lei de Cristo. Só hoje.

Artigo publicado originalmente na revista Eclésia.


• Bráulia Ribeiro trabalhou na Amazônia durante 30 anos. Hoje mora em Kailua-Kona com sua família e está envolvida em projetos internacionais de desenvolvimento na Ásia. É autora de Chamado Radical (Editora Ultimato). braulia.ribeiro@uol.com.br

fonte: http://www.ultimato.com.br/?pg=show_conteudo&util=1&categoria=3&registro=1229

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Re: Haiti: as nossas lágrimas

Dr. Eduardo Mundim,
A Paz do nosso Deus!
Muito obrigado pela atenção em ter publicado no seu blog o meu texto "Haiti...".
Que seja de benção para os seus leitores.
Não conhecia os seu blogs. De uma visita rápida deu para entender que se trata de um cristão criterioso e bíblico.
Se pretender aceder ao meu blog, aqui vai o endereço:
Cumprimentos.
Vitor Mendes

Haiti: as nossas lágrimas

Vitor Mendes
COMO CRISTÃO EVANGÉLICO E COMO SER HUMANO, não posso calar a minha angústia e tristeza perante os quadros de horror e sofrimento explícitos e implícitos que sofreram e ainda sofrerão por muito tempo os haitianos vítimas do cataclismo de há dias. Por eles, a minha oração a Deus, por Cristo Jesus, O Senhor de misericórdia e amor.
Aqui proclamo que, independentemente das tragédias de cada homem e mulher e criança, há Deus! E que Ele é amor e compaixão para com os homens.
Não há incongruência nenhuma se considerarmos que Ele criou o Homem para a Paz, a Felicidade e o Amor. Mas que o criou para a Liberdade também e, por isso mesmo, lhe concedeu o lívre arbítrio, pelo qual lhe concedeu a capacidade de discernir entre o Bem e o Mal e de optar segundo a sua consciência, ou até inconscientemente, por aquilo que considera melhor para si,
O livro de Génesis e a Bíblia, em geral, são elucidativos quanto a isto. E a revelação evangélica é explicada objectivamente na epístola aos crentes em Jesus na cidade de Éfeso. Aí o Apóstolo Paulo, sob inspiração divina, escreveu: "Outrora estavam mortos(separados de Deus) por causa de vossos delitos e pecados. O espírito deste mundo levava-vos a viver desta maneira. Andavam sujeitos ao chefe das forças do mal, àquele que ainda agora actua nos que são desobedientes a Deus. Todos nós estávamos na mesma condição, dominados pelos nossos maus desejos. Obedecíamos a esses maus desejos e pensamentos, e estávamos naturalmente destinados, como os outros, a receber o castigo de Deus."(Ef. 2:1-3).
Sem ignorar o princípio de causa e consequência, nada justifica que um cristão faça arrazoados e emita juízos definitivos sobre a infelicidade e desgraça alheias, como os que o televangelista Pat Robertson acaba de emitir na cadeira do seu programa televisivo "Club 700", nos U.S.A., segundo o qual o Haiti está "sob maldição" porque os seus pais fundadores teriam feito um pacto com o Diabo para se verem livres da "bota dos franceses", antigo ocupante colonial... Independentemente de factos serem factos, o que ignoro, ao discípulo de Jesus apenas uma missão essencial está cometida, e essa é a de anunciar que "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho Unigénito, para que todo O que n'Ele crer não pereça mas tenha a vida eterna."(João 3:16).
É assim que, ao lermos e meditarmos na Parábola do Bom Samaritano,(Lucas 10:25-37). que Jesus contou, a grande lição que devemos extrair é a da compaixão activa com o nosso "próximo", em especial com os desafortunados. Pat Robertson e a sua organização é conhecida pela capacidade de mobilizar e encaminhar para todo o mundo necessitado, e agora também para o Haiti, grandes verbas recolhidas dos milhões de espectadores que diariamente o vêem e ouvem. É uma obra meritória. Mas, as declarações que proferiu precipitadamente contradizem a lição da compaixão, independentemente de preciosismos teológicos, neste caso muito discutíveis.
No entanto, aqui fica o que certa feita Jesus disse a "alguns que Lhe falavam dos galileus cujo sangue Pilatos misturara com os seus sacrifícios": "Cuidais vós que esses galileus foram mais pecadores do que todos os galileus por terem padecido tais coisas? Não, vos digo; antes, se vos não arrependerdes, todos de igual modo perecereis". E o Mestre continuou, comparando os que ficaram soterrados pela queda da Torre de Siloé a "todos quantos homens(culpados) habitavam em Jerusalém"! ...(Lucas 13:1-5).
Jesus é qual Bom Samaritano que acode ao infeliz que, apanhado pelos salteadores, não só foi despojado da sua bolsa mas foi espancado, massacrado, ficando "meio morto"(Lucas 10:30). Com amor Ele aproximou-se, "atou as feridas, deitando-lhes azeite e vinho: e pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele". Não apenas, mas tendo que partir no outro dia, deixou dinheiro ao estalajadeiro, pedindo que cuidasse dele no que fosse preciso, com a promessa de, no regresso, lhe pagar o que tivesse tido necessidade de gastar.
É, pois, este o exemplo. A todos os homens espezinhados pelo pecado e suas consequências, Jesus acode com coração de amor e de misericõrdia. Da Sua Igreja, de cada um que O segue, Ele não espera outra coisa. Que sejamos reconhecidos pelo que Ele nos fez(e faz a todos quantos n'Ele crerem como o Salvador e o Senhor) e possamos condoer-nos daqueles que estão em aflição e dôr.
Tem sido este o grande testemunho da Igreja ao longo dos séculos. O bem-fazer, não como quem espera com isso ganhar o Céu, mas como quem manifesta o amor de Deus que, "derramado em nossos corações", nos "constrange" para que cada um "não viva mais para si, mas para Aquele que por si morreu e ressuscitou" como Paulo escreveu na II Cor. 5:14-16. Esta é a vivência para que Deus chamou a Igreja, "sal da terra" e "luz do mundo". Amar o próximo, como a nós mesmos...
E, nunca é demais dizê-lo. não se confunda a Igreja com organizações humanas de motivações outras que não estas.
Haitianos, conforme um cristão sobrevivente do terramoto, pertencente à organização evangélica "Exército de Salvação", podia dizer no meio da devastação, a partir ou do seu telemóvel ou PC portátil, cito de cor: que Deus vos mostre o Seu Amor pela acção dos que são igreja em todo o mundo.
Que tenham de todos nós não apenas as lágrimas!...

Aveiro, 16 de Janº2010-01-16
vitorinacio.mendes@yahoo.com
fonte: http://www.portalevangelico.pt/noticia.asp?id=3573

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Flávio Josefo é importante para a historicidade de Jesus?

Flávio Josefo foi um historiador judeu que viveu no primeiro século da era cristã. Seu legado pessoal é controverso, já que, apesar de ter lutado na última revolta judaica contra o ipério romano, foi feito posteriormente cidadão romano. enquanto historiados, pertencia ao seu tempo, e não aos atuais. Seus relatos históricos carecem da tentativa contemporânea de objetividade, sendo frequentes exageros numéricos, segundo seus críticos.
Há testemunhas extrabíblicas de que Jesus, filho de Maria e José, da tribo de Judá, descendente de Davi, existiu? Críticos do cristianismo afirma que não. Acesse

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Sem anos de indigenismo

Sandra Terena

Meu nome é Sandra e sou índia do povo terena. Na minha tribo me chamam de Alyeté, que quer dizer pessoa meiga. Este ano o Brasil comemora cem anos de indigenismo. Um marco histórico. No entanto, esses anos não foram suficientes para desenvolver políticas públicas que atendessem de forma satisfatória a população indígena brasileira. Também, pudera. Antes das políticas de Rondon, o pioneiro indigenista, foram 400 anos em que o Brasil ignorou a presença do nosso povo, tratando-nos como um empecilho ao progresso.

De lá para cá, muitas coisas mudaram. Hoje, existem tratados internacionais de direitos humanos e o Brasil tem até um estatuto do índio, escrito em 1973, que já é considerado retrógrado e em muito não se aplica. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, sancionada por meio de decreto pelo Presidente Lula em 2004, na teoria, assegura muitos direitos aos povos indígenas. O principal problema é levar esses direitos ao conhecimento dos nossos jovens. Uma caravana itinerante nas aldeias para oferecer cursos e oficinas sobre o assunto seria um bom começo.

Para mudar esse quadro, precisamos de uma base educacional melhor em nossas aldeias. Desde a preparação de professores até uma boa estrutura nas escolas. A partir do momento em que tivermos um ensino de qualidade, teremos mais força e legitimidade para lutar por nossos direitos já previstos e para reivindicar outros, de acordo com as nossas necessidades. A garantia do ensino superior para os jovens indígenas seria fundamental para isso. Assim, formaríamos médicos, enfermeiros, advogados e muitos outros profissionais para atuar em suas aldeias de origem.

Por muito tempo vivemos uma política integracionista. As pessoas achavam que os índios tinham de se integrar à sociedade ou viver de forma isolada. A palavra de ordem agora não é mais integração, mas sim interação. Hoje temos plena capacidade de decidir o que é melhor para nós. Se o índio quiser viver na floresta, virar um grande caçador e seguir com suas práticas religiosas ele tem esse direito. Se ele quiser professar outra religião, ir para a cidade, fazer uma faculdade, por exemplo, não deixará de ser índio. De acordo com dados do IBGE, desde o ano 2000, quase metade da população indígena brasileira já vive em centros urbanos. Porém, apesar de a forte presença indígena nas cidades grandes ser uma realidade, muitas vezes esses índios vivem à margem de duas sociedades. Não há políticas públicas que atendam as necessidades dos índios urbanos e o pior: quando vão buscar auxílio em órgãos indigenistas, muitas vezes não são reconhecidos como índios -- uma grande arbitrariedade.

Em nossas aldeias fomos acostumados com políticas assistencialistas. Em muitas, já não temos caça e pesca suficiente. Em outras tribos, o plantio é proibido por restrições governamentais das terras. Infelizmente, fomos acostumados a viver de doações de cestas básicas e roupas usadas. Para que possamos ter uma vida digna, precisamos de projetos que visem a sustentabilidade. Até lá, ainda viveremos sem anos de indigenismo, independente das comemorações.

Hoje, somos cerca de 227 povos no Brasil. Cada um com suas peculiaridades, língua e costumes. Quero desafiar os jovens a fazerem algo prático pelos povos indígenas brasileiros. Desde ir às aldeias até enviar um simples e-mail, o que faz muita diferença quando há resistência política no Congresso.


• Sandra Terena, 27 anos, é jornalista, especialista em comunicação audiovisual e vice-presidente da ONG Aldeia Brasil (para saber mais sobre o indigenismo ou se tornar parceiro, escreva para contato@aldeiabrasil.org).

fonte: http://www.ultimato.com.br/?pg=show_artigos&artigo=2537&secMestre=2563&sec=2571&num_edicao=322