quinta-feira, 22 de abril de 2010

O mistério dos ateus criacionistas da Terra Jovem

Foi um bocado interessante ver os dados da recente pesquisa Datafolha sobre a crença em Deus e a aceitação da teoria da evolução no Brasil. Não sei quanto a vocês, mas o resultado geral me pareceu mais digno de ser considerado boas novas do que más notícias: a proporção de pessoas que vê pelo menos algum espaço para a evolução em seu universo mental é bem superior por aqui do que nos EUA, por exemplo. Levando em conta o que se conseguiu em educação científica lá e cá, é uma boa surpresa. Mas resta um mistério e, sinceramente, não faço a menor ideia de como explicá-lo: o que poderíamos chamar de ateus criacionistas da Terra Jovem. Ou seja: os 7% dos ateus que disseram concordar com a frase "Deus criou os seres humanos de uma só vez praticamente do jeito que são hoje em algum momento nos últimos dez mil anos".
Ora, essa é justamente a definição de um criacionista da Terra Jovem, crente na narrativa bíblica de Adão e Eva, ou algo similar. Quase tão maluco quanto isso é o fato de que 23% dos ateus concordaram com a frase "Os seres humanos se desenvolveram ao longo de milhões de anos a partir de formas menos evoluídas de vida, mas com Deus guiando esse processo de evolução". Como alguém se diz ateu e ainda assim acha que Deus participa da evolução (sem falar dos que acreditam em Adão e Eva) é algo que me escapa.
O teólogo Eduardo Cruz, da PUC-SP (aliás, ferrenho defensor da teoria da evolução, embora religioso), chegou a propor, na mesma edição, uma hipótese sobre o fenômeno: "O que pode se supor é que o grosso da população brasileira forme suas opiniões não nos jornais, nos cultos ou na escola, mas a partir de uma vaga consciência cristã-católica tradicional que ainda pervade nossas mentes. Valeria o mesmo para os ateus? É claro! Se fosse pelos líderes, tipo Richard Dawkins, poderia se esperar que 100% das respostas seriam C [ou seja, evolução sem 'ajuda' de Deus]. Só 56% o indicaram."
Faz sentido, mas outro ponto importante é que certas questões são filosoficamente complicadas demais, nuançadas demais, para que seu conteúdo seja capturado por pesquisas de opinião. O que significa "Deus guiando" o processo evolutivo, por exemplo? Criar condições no "setup" do Universo para que a vida se desenvolvesse, por exemplo, é "guiar"? É preciso intervenção direta? A intervenção direta precisa ser "detectável"?
Convido o leitor a especular sobre esse divertido e profundo paradoxo nos comentários.
Escrito por Reinaldo José Lopes às 20h18

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