A Ciência como religião
Eduardo Ribeiro Mundim*A ciência moderna apoderou-se de marcas anteriormente pertencentes à religião: salvação, imortalidade, resposta as angústias da vida, busca de sentidos últimos. Na verdade, quando se fala de ciência neste contexto, há uma generalização obrigatória. E toda generalização é injusta, por afirmar que a menor parte do todo age como a maior parte; e toda generalização revela e esconde. Revela o que a maior parte faz, e esconde o que é realizado pela menor.
A Ciência não existe; existe ciência enquanto atividade humana estruturada que persegue determinado fim. A ciência nada fala; os cientistas, os profissionais que dela tiram seu sustento financeiro, é que falam ancorados na autoridade que a atividade científica verdadeiramente autônoma produz.
Ciência é um meio de entender como a natureza funciona (p.ex., o corpo dos animais), buscando obter os melhores recursos para uma vida mais confortável (p. ex., a engenharia), uma abundância (ou não-escassez) de víveres (p. ex., a agricultura e a meteorologia) e o menor desconforto ou risco ao corpo humano (medicina). É uma atividade que possibilita prever fatos (o que não implica na sua realização em todos os momentos), modificá-los quando possível e necessário.
Quando o cientista salta da observação do seu objeto de trabalho e elabora teorias que não podem ser objeto de experimentação por absoluta impossibilidade real, ele cruza a fronteira que a separa e distingue da religião. Esta prescinde de experimentação clássica, apóia-se em um conhecimento revelado no lugar de um construído, um conhecimento muitas vezes fixo e seguro, no lugar do conhecimento científico, sempre transitório e incerto.
Ao cruzar a linha demarcatória, ciência transforma-se em Ciência, cientista em líder religioso, e há uma subversão da ordem natural de cada instituto. A religião é dogmática, assertiva, não tolera divergentes (que são ora cognominados hereges, ora apóstatas); a ciência é plural, vive da dúvida e alimenta-se do contraditório, crescendo com ele. No coração desta Ciência estão os símbolos e as estruturas religiosas.
Quando se fala do conflito ciência e religião, está-se falando do conflito Ciência e religião, já que não é possível a esta informar sobre a natureza operacional da matéria, e nem àquela confirmar o dado revelado.
Igualmente, a Ciência tende a apropriar-se da bioética, ditando-lhe os rumos, alijando do debate qualquer outro conhecimento por ela mesma sancionado; na verdade, transforma o debate (que pressupõe diferentes pontos de vista) em monólogo ou, quando muito, diálogo de dois ou três. Ao proceder desta forma, legitima-se através de um círculo vicioso - legitima-se a si mesma. A ciência, ao contrário, é legitimada pela ética quando se processa nos seus limites.
E quais são estes limites?
Infalibilidade, onisciência, onipotência e características semelhantes sempre foram atributos da divindade...
E quais são estes limites?
Infalibilidade, onisciência, onipotência e características semelhantes sempre foram atributos da divindade...
* reflexões que nascem da leitura do livro "Ciência e bioética: um olhar teológico", de Euler R. Westphal, publicado pela Editora Sinodal
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