Após a crítica ao "deus ilusório", a psicanálise freudiana constrói a ideia do "deus trágico". O trágico está na ambivalência do deus que é amado e odiado. Ele é amado na medida que se constitui em um reflexo do pai, visto pelos olhos do infante: tudo sabe, tudo pode, mas dele se depende completamente. É odiado porque enquanto absoluto, exclui tudo o que não é ele, moldando todos a sua vontade, obrigando-os à submissão, dependência e subjugação. Assim como a criança, deus passa a ser amado pelo seu cuidado, e odiado pela exigência de uma submissão incondicional.
O ódio não pode ser vivido em sua plenitude, por ser desagregador e destruidor. Também não se pode desafiar impunemente o detentor da onipotência absoluta. Mecanismos então são criados para dar vazão a este sentimento: rituais religiosos elaborados, eleição de um grupo estranho como alvo deste ódio e o desvio deste mesmo ódio sobre si mesmo, na forma de sentimentos de culpa.
Portanto, à luz deste esquema, de um lado se põe o prazer, como o momento de reivindicação de si mesmo e autoafirmação, e por outro, a culpa pela oposição àquele que é fonte de toda tranquilidade mas que por ela cobra caro.
O sacrifício do homem é exigido como prova de sua submissão, mas deus também se sacrifica: um e outro perdem algo de sua própria definição.
Portanto, uma personalidade que não aceitou a realidade tende a construir um relacionamento imaturo com a deidade, onde nunca se expressará como si mesma, mas sempre através de um conjunto de atitudes que disfarçam o ódio e, em última instância, a insubmissão final.
A psicanálise freudiana parece ter construído este esquema, aqui ultrassimplificado, de casos clínicos analisados por Freud ("notas sobre um caso de neurose obsessiva" = o homem dos ratos) assim como de grandes textos onde, já no final de sua vida, ele, como confessa, procura filosofar ("totem e tabu", "Moisés e o monoteísmo", "o mal estar na civilização"), assim como em trabalhos do início do século XX ("atos obsessivos e práticas religiosas" e "psicologia de grupo e análise do ego").
É bem provável que um sem número de fiéis se encaixem no comportamento infantil delineado acima. Não é impossível que as explicações sejam, no mínimo, aplicáveis. Contudo, pretender aplicar a toda prática religiosa, inclusive a oração, este esquema, é uma demonstração de onipotência psicanalítica. Primeiro, porque a psicanálise não se resume àquela construída pelo grupo freudiano; existem outras, como a construída por Jung e seu grupo. Segundo, porque mesmo sendo uma ferramenta muito útil para a análise da realidade, ela não é abrangente (não capta todos os aspectos envolvidos). Terceiro, porque se julgasse ser "a" ferramenta, adotaria uma postura dogmática e não testável empiricamente. Quarto, porque a descrição que faz da deidade não tem nada a ver com o Deus bíblico. Quinto, porque ignora a fé cristã em toda a sua complexidade e multiformidade teológicas, reduzindo-a a uma determinada manifestação cultural geograficamente estabelecida.
Este é fonte de tudo o que é bom. Cria o homem não como extensão de Si mesmo, mas como ser autoconsciente e capaz de decidir por seus próprios caminhos. Não lhe exige submissão absoluta no sentido de interditar-lhe sua autoexpressão, mas libera-o para criar as culturas, para dominar a natureza e cultivar o jardim, sem lhe dizer como. A submissão se dá na aceitação dos limites: homem/mulher é homem/mulher, Deus é Deus - não haverá troca de lugar.
Este mesmo Deus não deseja crianças perpétuas, mas Pessoas com quem dialoga, discute, convence e Se deixa convencer - e desde quando um Deus absoluto não pode ser assim? Vamos dizer-lhe o como é ser Absoluto?
(texto produzido a partir do livro "Orar depois de Freud", de Carlos Domínguez Morano, Edições Loyola 1994)
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