quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Crítica Freudiana da Experiência Religiosa: o Deus ilusório

Após  Freud, a  experiência religiosa passou a ser vista por muitos como prenha de motivações obscuras que muitas vezes comportam infantilização e  alienação. E a oração, ápice desta experiência, seria o campo de manifestação de uma série de fantasias e ilusões infantis. E por ilusão se entende  o menosprezo que  o fiel devota diante das condições da realidade, levado por sua fixação exclusiva ao mundo dos desejos.

E qual seria esta realidade? O fato do mundo não ser feito para o homem ser feliz. Seus desejos não são satisfeitos, tem de aprender a lidar com as barreiras que se erguem a todo instante a eles. No relacionamento social injustiça, mentira, desonestidade e competição são a tônica. O mundo interior não é menos turbulento, pois os desejos não formulados do inconsciente enfrentam ideais e normas introjetados e o consciente se confessa impotente em conciliar tantas solicitações contraditórias. E por último, a morte como elemento final.

Segundo Freud, a realidade é calada pela construção de um mundo onde não há pranto, nem luto, nem dor. Por um Deus bondoso que proporciona total segurança e proteção. Por recursos os mais variados que remetem o fiel a sua infância e a ilusão sobre o poder do pai. Para ser justo, ele reconhece que não é somente a religião que fornece esta ilusão, mas o Estado, a política, a ideologia e a ciência também o fazem, cada qual ao seu modo.

No fim, é o desejo inconsciente que fala, e não a análise da experiência e dos fatos.

Na atualidade, as chamadas "confissão positiva" e  "teologia da prosperidade" parecem vestir a carapuça proposta pela psicanálise. Negam o significado da encarnação ao negar que Deus se faz homem para com os homens compartilhar, nem que seja por um átomo de tempo, das mesmas vicissitudes da natureza inclemente. Blasfemam contra a cruz do Calvário ao transformar o sacrifício substituto de Deus Filho / homem perfeito em um meio para ser retirado da comunhão completa com a comunidade humana. Deus se torna um servo das ilusões infantis, não permitindo que Seus filhos (que também são servos) enfrentem oposição, dúvida, dor, desilusão e derrota. Nada disto lembra o Evangelho "pregado de uma vez só aos santos", ao qual "nada se pode acrescentar ou tirar".

 

(texto produzido a partir do livro "Orar depois de Freud", de Carlos Domínguez Morano, Edições Loyola 1994)

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Oração e Psicanálise Introdução

INTRODUÇÃO

A psicanálise é uma ferramenta para se entender a atividade mental humana, e, como tal, revolucionou a imagem que tínhamos de nós mesmos. Ainda que não concordemos com a abordagem freudiana, outras se apresentam. Fatores antes ignorados ou não levados à sério passaram a contar na análise de situações, propostas de abordagens e em tomadas de decisões, seja a nível individual, seja em nível social.

Quando esta ferramenta é aplicada a uma tarefa complexa como é o ato de orar, muitos podem ser os objetivos, desde demolidores a aperfeiçoadores do mesmo. Nesta ótica, as dificuldades e receios do fiel (ou do não crente), os desvios e os autoenganos são alvos que podem ser buscados.

A psicanálise mostrou que nosso imaginário pode (e o faz) interferir no diálogo com Deus a ponto de não permitir que questões inconscientes aflorem de modo terapêutico, mas antes mantendo-as longe do consciente e, portanto, da capacidade do fiel de enfentá-las em conjunto com Ele.

Deus é alguém que nunca vimos, cuja imagem construimos por analogia a partir do mundo que conhecemos e que não nos responde pelas vias habituais. Decidir se, como e qual é a resposta é um exercício de fé que não está imune aos recôndidos de nossa alma. E é curioso que as Escrituras estimulam, e mesmo ordenam, a prática da oração, mas não dão diretrizes claras para distinguir a voz dEle da nossa inconsciente.

A psicanálise coloca em jogo inclusive o nosso desejo: aquilo que expressamos é o que realmente desejamos? Na sua face demolidora, afirma que toda resposta é suposta resposta, produto apenas de desejos não expressados.

Na sua oração didática Jesus pontuou "seja feita a Tua vontade assim na terra como no céu". Quando o colocado em oração é genérico (p. ex. a paz entre os homens, o fim da fome, a conversão do próximo) nada questiona a vontade de Deus. Caso a resposta demore, é porque faz parte dos Seus planos, está dentro de como Ele desenrola a história. Mas quando oramos por motivos pessoais (p. ex. a escolha profissional, a vocação sacerdotal) perscrutar o Seu desejo no meio do nosso torna-se uma tarefa prenha de armadilhas e enganos.

Segundo J.C. Sagne (La oracion, invocacion de la presencia invisible e silenciosa del Padre em Concilium 79, pg 319-329, 1972): "Quem ora pode desenvolver uma espécie de ateísmo espiritual em que as representações de Deus e os modos de oração, demasiadamente tomados pelo imaginário, levantam-se como barreiras contra a presença de Deus e como impedimento de sua livre intervenção". Supostos exemplos: quantas pessoas se tornam intolerantes, fechadas, descomprometidas à medida que se entregam a uma vida visível de oração? quantos se tornam acríticos e submissos? alheios e distantes do mundo real? quantos se distanciam mais e mais dos frutos do Espírito (amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, modéstia e autodomínio) em direção aos do "instinto" (Bílbia do Peregrino): inimizades, rixas, invejas, cólera, ambição, discórdias, facções?

(texto produzido a partir do livro "Orar depois de Freud", de Carlos Domínguez Morano, Edições Loyola 1994)

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O Maior

Mc  9.33-41

 

Discípulos sedentos por poder? Não tinham eles expulsado demônios e curado enfermos? O que será que estava por detrás da discussão de quem seria o maior?

 

Na passagem paralela de Mateus, a questão era: "quem é o maior no Reino dos Céus?" Supondo que os três relatos são a mesma história, teremos doze discípulos arrazoando entre si sobre a posição de proeminência (e, portanto, de poder) que cada um tem (e não teria) no Reino. Neste momento, eles estavam certos de que detinham a posse, ou pelo menos, a entrada nele. Não havia jeito de perdê-lo (nem na cabeça de Simão Pedro nem na de Judas Iscariotes)!

 

Mas Jesus, na versão de Marcos, os embaraça questionando a razão da discussão. Conhecendo-O, eles preferem calar-se. O que será que o silêncio lhes falou?

 

Jesus lhes redireciona o olhar. Afirma que os lugares no Reino não são lugares de potência pela potência em si, mas de potência em serviço. Nas suas cabeças ocupadas demais com assuntos estranhos àquele Reino do qual se imaginavam pertencer ainda não havia sido apresentada a cena do lava-pés (que algumas denominações protestantes consideram como sacramento). Nela  Jesus lhes deixa claro, mediante o ato, de que assim como seus pés foram lavados por Aquele chamado por eles de Senhor e Mestre, eles deveriam fazer o mesmo.

 

Paulo retoma o assunto quando escreve à Igreja em Filipos

 "embora sendo Deus,

(Jesus) não considerou que o ser igual a Deus

era algo a que devia apegar-se,

mas esvaziou-se a si mesmo,

vindo a ser servo...

humilhou-se a si mesmo

e foi obediente até a morte".

 

Tornando a lição mais dura, para não ser esquecida, toma uma criança nos braços e a transforma, no melhor estilo profético do Velho Testamento, em uma revelação: Ele não é recebido no meio do poder, mas da dependência, da confiança, da simplicidade e da não ambição de uma criança.

 

Quem quiser ser o maior, que seja o servo de todos: que trabalhe para todos. E, lembrando do ensino de uma parábola, quando ao final o trabalhador é lembrado de que não tem do que autoelogiar, pois apenas fez aquilo para o qual fora chamado.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Autodeterminação indígena sobre infanticídio

GLÓRIA A DEUS!

 

Queridos amigos,

 

Queremos agradecer suas orações! A reunião no Xingu foi uma vitória, um evento que promete marcar a história das crianças xinguanas.

Imagine o famoso cacique Aritana, líder dos caciques da 14 etnias do Xingu, fazendo uma promessa emocionada. Imagine os agentes de saúde, os professores indígenas, e até um cacique Kamaiurá fazendo a mesma promessa. Imagine cada cacique indo a frente, se apresentando e dizendo, em sua língua - eu também prometo... Foi isso que aconteceu no posto Leonardo, no Parque Indígena do Xingu, entre os dias 10 e 13 de novembro. Após assistir o documentário Hakani, indígenas profundamente tocados fizeram o compromisso, diante de seus pares, de fazer o possível para evitar que crianças gêmeas e filhas de mãe solteira sejam enterradas dentro do parque. Eram mais de 250 indígenas, de 7 etnias diferentes, discutindo o assunto e buscando alternativas para que a rejeição de crianças dentro do parque seja superada. Veja algumas fotos no www.atini.org

Sabemos que isso é apenas o princípio - agora nossa responsabilidade é ainda maior. Os agentes de saúde e professores indígenas deixaram bem claro que a promessa não é suficiente. Para que as mulheres possam cumprir essa promessa elas vão precisar de acompanhamento, de ajuda, de orientação. O consenso entre os presentes foi a disposição de fazer o possível para que gêmeos e filhos de mãe solteira sejam preservados. A situação com crianças deficientes é mais difícil e nós vamos precisar continuar buscando alternativas e soluções para que essas crianças sejam poupadas e tenham direito à vida e a dignidade.

O mais importante é que essa reunião foi idealizada e organizada pelos próprios indígenas. Isso mostra que eles estão assumindo o protagonismo desta luta e isto nos enche de esperança. A reunião também vai contra os argumentos daqueles que acham que o documentário HAKANI deve ser proibido porque ofende os povos indígenas. Esse evento deixa claro que os indígenas não se sentem ofendidos, que entendem a mensagem melhor do que muito branco. Pelo contrário, eles se sentem profundamente sensibilizados, se identificam com o drama de Hakani. Depois de assistir o filme, conseguem abrir o coração e falar o que realmente sentem a respeito do infanticídio.

O resultado imediato desta reflexão nas aldeias do Xingu foi além do que nós esperávamos - a promessa pública que eles fizeram abre caminho para que ações concretas possam ser tomadas na defesa destas crianças. Agora é a nossa vez. Seremos capazes de fazer também a nossa promessa - a promessa de estender as mãos e ajudar essas mulheres a salvar a vida destas crianças? Seremos capazes de dizer a estas indígenas - "se você tiver coragem de não enterrar seu bebê, nós a Igreja de Cristo, vamos ajudar você a cuidar dele?" Seremos capazes de fazer a nossa parte por um Brasil sem sacrifício de crianças indígenas?

Agradecemos muito seu apoio, suas orações, seu envolvimento. Aos poucos, vamos avançando e vendo a mão o Senhor estendida a favor dos pequeninos.

 

Edson e Márcia Suzuki
ATINI - VOZ PELA VIDA
www.atini.org

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

‘Pastores precisam agir como Davi diante de Natã’

Para o psicoterapeuta Ageu Heringer Lisboa, líderes evangélicos são vítimas da negligência em relação à própria saúde psíquica.

Qualquer observador do meio evangélico – tanto os "de dentro" quanto os de fora – com um mínimo de isenção sabe que a liderança atravessa um momento de grave descrédito perante a sociedade. Os desmandos de muitos pastores, que se arvoram o direito de gerir as igrejas como extensões da própria casa, e a falta de zelo em manter uma conduta íntegra, são geralmente os caminhos mais curtos para a queda. A crise de integridade que assola o ministério cristão tem causas nem sempre claras, mas seus efeitos estão aí, à vista de todos.

O psicólogo e terapeuta Ageu Heringer Lisboa conhece essa realidade de perto. Com experiência clínica de 34 anos, ele tem atendido muitos crentes – e por seu consultório passam também pastores e dirigentes evangélicos. É claro que, por ética profissional, ele não pode pormenorizar casos particulares – mas o quem ele tem visto, em termos gerais, é preocupante. "É um segmento normalmente avesso a buscar ajuda psicológica, por receio de se expor perante os colegas e os liderados", comenta. "Geralmente, os pastores deixam os problemas se acumularem anos e anos, sempre empurrando com a barriga, acreditando que encontrarão a saída sozinhos". Não encontram – e o resultado pode ser devastador, tanto para a vidas pessoal como para o ministério.

Mestre em ciências da religião, escritor e um dos fundadores do Corpo e Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), Ageu integra a Associação Brasileira de Terapia e Pastoral Familiar e dirige seminários para casais, além de prestar consultoria para grupos ministeriais. Para ele, o episódio bíblico envolvendo o rei Davi e o profeta Natã, que corajosamente denunciou os pecados do monarca, é cada vez mais difícil de se repetir. "Quem aspira ou ocupa posições de comando, junto com os privilégios da posição, deve arcar com o ônus da visibilidade e do lugar que ocupa no mundo das representações sociais", opina o especialista. Ageu Lisboa concedeu a seguinte entrevista a CRISTIANISMO HOJE (http://www.cristianismohoje.com.br/artigo.php?artigoid=35334#)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

AO POVO BRASILEIRO E AOS MILITANTES DO MOVIMENTO PRÓ-VIDA

NOTA  PÚBLICA

                               

1.      No dia 12 de junho de 2008 a Secretaria Nacional de Mulheres, instância integrante da Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores, por meio de sua representante Laisy Moriére, entrou com uma representação solicitando a "instalação imediata de Comissão de Ética" para os Deputados Federais Luiz Bassuma PT/BA e Henrique Afonso PT/AC tendo como fato as suas posições públicas contra a legalização do aborto no Brasil, fundamentando este pedido em decisão aprovada no III Congresso do Partido dos Trabalhadores, bem como em Resolução aprovada no 10º Encontro Nacional de Mulheres do PT, realizado em Brasília, nos dias 17 e 18 de maio de 2008.

 

2.      Nesta terça-feira, 11 de novembro de 2009, os Deputados Federais que assinam esta nota, receberam em seus respectivos gabinetes, na Câmara dos Deputados, notificação do Coordenador da Comissão de Ética do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, Danilo de Camargo, na qual não consta a assinatura do mesmo, mas consta a assinatura do Secretário Geral Nacional do Partido dos Trabalhadores, José Eduardo Cardozo em que determina "o prazo de 10 (dez) dias, a partir desta data, para apresentar defesa escrita".

 

3.      Considerando que as nossas posições contrárias à legalização do aborto no Brasil sempre foram públicas entendemos que o povo brasileiro e os militantes pró-vida têm direito de serem informados quanto a esta providência de uma instância do Partido dos Trabalhadores em propor uma Comissão de Ética, em âmbito nacional do Partido, para avaliar e decidir se devemos ser submetidos às sanções previstas pela Comissão de Ética que vão desde a uma mera advertência formal até a expulsão do partido.

  1. Queremos aqui reafirmar  nossas posições públicas em defesa da vida – desde a concepção e nosso direito de militância para impedir que o aborto seja legalizado em nosso país. Cumpriremos a convocação de estarmos na Comissão de Ética conclamando os membros desta Comissão a cumprirem o que determina o Estatuto do PT, em seu artigo 67,  parágrafo 2º: "Excepcionalmente e somente por decisão conjunta da Bancada e da Comissão Executiva do Diretório correspondente, precedida de debate amplo e público, o parlamentar poderá ser dispensado do cumprimento de decisão coletiva, face a graves objeções de natureza ética, filosófica ou religiosa, ou de foro íntimo". (grifos nossos)

 

  1. O direito à vida é o primeiro e mais fundamental de todos os direitos humanos e, sendo assim, aqueles que advogam a defesa e a promoção desse direito estão em sintonia não só com as suas convicções pessoais, mas em consonância com o que determina a Constituição Brasileira em seu artigo 5º quando afirma a "inviolabilidade do direito à vida", Declaração Universal dos Direitos Humanos, Declaração Americana de Direitos Humanos, bem como em sintonia com a maioria da população brasileira que, em diversas pesquisas de opinião tem manifestado posicionamento contrário à mudança da legislação que criminaliza o aborto no Brasil.

 

Pelo direito à Vida desde a concepção e contra a legalização do aborto no Brasil.

 

Brasília, 12 de novembro de 2008.

 

Deputado Federal Luiz Bassuma-PT/BA

Deputado Federal Henrique Afonso-PT/AC


Como amamos e como Deus ama

As Escrituras demonstram o amor de Deus por nós. E o fazem pela interpretação da história através da revelação (o que não que dizer que não haja outras interpretações possíveis), assim como pela argumentação racional sobre esta mesma história. Não há ser humano, nas Escrituras, que não sejam alvo do Seu amor e que não sejam alvo do Seu juízo. Juízo e amor não são mutuamente excludentes, mas complementares a partir do momento em que o erro se torna possível.

 

Nada é necessário realizar para ser objeto do amor dEle. Independente do que se faz, Ele ama - e corrige, porque esta é uma das faces do amor que vem do hierarquicamente superior: acomodar aquele que está fora da realidade à realidade.

 

O amor de Deus não é racional, é laborativo. Ele se torna ser humano em uma situação histórica-geográfica-cultural específica. Aquele que não precisava fazê-lo, impõe-se a si mesmo a incerteza do clima, a possibilidade da fome, a realidade da ocupação militar e a recusa a Sua pregação e ao Seu ensino persistentes. Nasce em local humilde, de família comum, um dos inúmeros descendentes do grande rei Davi, cuja realeza há muito se extinguira. Passa a maior parte da vida anônimo, tornando público seu ministério pouco tempo antes de ressuscitar. O apóstolo Paulo resumiu para os cristãos da cidade de Filipos: "Deus não julgou que ser Deus era algo do qual não podia se desembaraçar. Esvaziou-se de sua divindade e morreu morte vergonhosa".

 

Nós amamos aquela parte de nós que encontramos no outro; aquilo que nos completa; que nos supre na nossa falta. Basta que deixemos de encontrar, de sermos completados ou supridos para "deixarmos de amar".

 

Esta é a grande diferença: Deus não faz força para amar; Seu amor é constante, apesar de sermos o que somos. O nosso, se constrói, se luta, se teme perder ou não ter.

 

Esta é  a grande diferença: Deus não nos ama por reconhecer em nós uma projeção de Suas necessidades inconscientes, mas porque somos obras das Suas mãos. Sermos imagem e semelhança é um dom que nos é dado, que reflete Sua glória, e não alguma falta  ou ausência desconhecida.

 

Não é possível decepcioná-lo, pois Suas expectativas são realistas, e Ele habita na linha do tempo, onde só há o hoje.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A Eleição de Barack Obama

 
Bráulia Ribeiro

A quarta-feira amanheceu como manhã de Natal no mundo. Do Líbano à Indonésia, do Quênia ao Brasil, o mundo se maravilhou com a nova democracia que nascia na América. Talvez os americanos não se dêem conta das lágrimas que arrancaram de pessoas do mundo inteiro diante da TV enquanto os democratas gritavam: "Yes, We Can!". A hostilidade que a América inspirou durante o governo Bush se transforma numa admiração maravilhada diante do meio negro, meio branco, meio muçulmano, meio cristão Barack Hussein Obama Jr. A terra das oportunidades revela ao mundo novamente sua face mais generosa.

O símbolo de Obama é maior que o homem. Ele já é um ícone, uma marca na história, uma tendência. "Coincidentemente", o simbolismo é semelhante ao que representa o índio Evo Morales para a Bolívia indígena, o operário Lula para o Brasil trabalhador, entre outros muitos líderes mundiais. Porém Obama nasce muito maior, nasce um redentor para o mundo. Ele é a encarnação da metáfora Clark Kent -- Superman, o homem de todo dia, o homem da rua que com uma troca de roupa se torna um super-herói transcendente.

Já ouvi muitos cristãos sobre o fenômeno Obama. Alguns preocupados com suas percepções sobre a economia de mercado, aborto e casamento homossexual. Outros, preocupados com a unanimidade internacional que ele se tornou, se preocupam com o fim dos tempos e um possível anticristo, num cenário de paz mundial. Acredito que temos de tirar lições deste momento histórico e tentar traçar o futuro de missões cristãs no século 21.

Multiculturalismo superlativo
Obama não ganhou por sua negritude. Aliás, sua negritude é dúbia, ele é misturado, mulato, foi criado numa família branca. Nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, a separação entre brancos e negros não é apenas racial, é cultural. Obama, em sua visão de mundo, não é culturalmente negro, como a maioria dos negros americanos. Ele representa a mistura, a capacidade de convivência e "fecundação" entre as duas culturas. Todos podem se identificar com ele de uma maneira ou de outra.

Ser multicultural é evitar rótulos, ser culturalmente sensível, mas ao mesmo tempo culturalmente cego. Isto é a essência, o DNA de missões transculturais. No processo de encarnação numa nova cultura, você se vê sendo sem pertencer e guia as pessoas a uma percepção de si mesmas que inclui o resto do mundo. Não há força de paz geopolítica maior do que missões cristãs.

O mundo geme com muitas dores, e a maior de todas elas é a rejeição. As pessoas rejeitam seu corpo, sua identidade, sua cultura, e ao mesmo tempo se tornam extremamente defensivas de si mesmas. Qualquer afirmação do valor individual e coletivo cai nos corações como água em terra seca. A eleição de Obama grita a todos: "Sim, é possível". Ela destaca o valor da busca individual por sucesso, assim como o valor do grupo. Vista como o início da era pós-racial pelos especialistas, sua vitória não acirra sentimentos de ódio racial; antes, desmonta preconceitos e mostra que ninguém mais está fora, que o mundo é multicultural.

Multiculturalismo era um dos valores mais importantes do ministério de Jesus. O Messias para todos os povos começou seu ministério na área menos judaica de Israel, Decápolis. Sua mensagem era entendida por judeus gregos e romanos, e depois, no início da igreja, proclamada em todas as línguas de todas as nações debaixo do céu (At 2.5-6)... É tempo de sermos extravagantes em expor o dom cristão do multiculturalismo. De todas as religiões mundiais, o cristianismo é a única que, apesar de ter laços históricos definidos, é supracultural. É tempo de reuniões multiformes, palestrantes de todos os recantos do mundo, reuniões mundiais que nos aproximem. Mais do que qualquer outra comunidade ou religião, o cristianismo pode construir a verdadeira ponte entre as nações do mundo.

Empoderar as "grassroots"
O Partido Democrata sabia que era tempo para mudança real, por isto preteriu Hilary. Foi um lance de alto risco, mas as eleições primárias mostraram a força de Obama nas "grassroots", ou seja, no povo, nas comunidades, como movimento popular. Ele se tornou o candidato pop.

A palavra-chave hoje nos movimentos sociais é "empoderamento". Não teremos sucesso na proclamação do evangelho sem o empoderamento das comunidades em que trabalhamos, isto é, se não tivermos educação combinada com transformação e engajamento social. No reino temos diversas ferramentas de empoderamento social. A pequena congregação que se reúne num salão de madeira na periferia empodera quando transforma o trabalhador braçal ou o desempregado em um presbítero orgulhosamente vestido para receber os irmãos na porta da igreja aos domingos. No Brasil não existe força social transformadora maior do que a igreja Universal e a igreja Assembléia de Deus, com quase 30 milhões de membros. No entanto, a mesma igreja que empodera socialmente aliena politicamente. Precisamos de uma redenção política.

Missões protestantes a partir do Brasil, durante um tempo, não se preocuparam com o aspecto político-social. Nos últimos anos, porém, a hostilidade dos países fechados, a falta de liberdade religiosa, tem feito com que missionários tenham de adotar uma atividade social como atividade primária para justificar sua presença. Há males que vêm para bem, como diz o ditado popular; até a perseguição contribui para o reino. O aumento da hostilidade religiosa no mundo tem feito com que sejamos levados a uma abordagem mais holística em nossa proposta missionária.

A eleição milionária de Obama nos ensina que há mais dinheiro nos pequenos bolsos do que nos grandes, há mais vontade, mais energia no povo quando motivado do que em iniciativas que venham de cima. Empoderar as massas é a maior alavanca para provocar mudanças sociais. Os marxistas sabem disso e usam esse expediente há anos. A hegemonia da ideologia socialista hoje no mundo prova isto. De uma maneira ou de outra, hoje o mundo todo fala o jargão socialista, sem nem saber de onde vêm as idéias que compartilham. As idéias se espalharam e hoje são a maior alavanca política do mundo.

Estamos alavancando o poder das "grassroots" para mudar o mundo ao nosso redor? O discurso evangélico empodera ou castra as pessoas?

Fé verdadeira, mas não religiosa
Obama se destaca pela fé não religiosa. Ele não negou sua fé cristã, mas não a usou como arma nem como plataforma de campanha. Muitos americanos, olhando através dos óculos conservadores do Bible Belt, o crêem desviado. Porém, "sim, nós podemos" é uma mensagem de fé. Manter-se limpo e não acusar baixamente os opositores é outra. Enquanto Sarah Palin, cristã ativa que também freqüenta igreja, preferiu ficar dentro do cristianismo religioso, Obama conseguiu se manter de fora, apesar do escândalo com seu pastor extremista. De acordo com a Palavra, nós não apenas temos de ser limpos, mas também aparentar limpeza. O meio é a mensagem de acordo com Jesus e Mcluhan. Não basta dizer que amamos, temos de parecer amor. A versão tradicional americana do protestantismo é lida hoje como antipática, radical e geradora de preconceitos e hostilidades. A pobre Sarah Palin sofreu com isto. Até a sua família grande, seu filho excepcional, sua filha adolescente grávida, acolhida com amor por ela e pelo marido -- tudo isto foi usado contra ela. Se você é religioso calado já está errado.

Infelizmente, a mensagem que mais se destaca hoje entre as mensagens do cristianismo religioso é o moralismo. Por causa do peso do moralismo o mundo se vê constantemente julgado pelos cristãos, e ele odeia julgamento, aliás, com razão. Julgar é o oposto de amar. Jesus tornou claro: "Não vim para julgar o mundo, mas para salvá-lo". A igreja protestante falhou em compartilhar esta mensagem. Com freqüência nos escondemos atrás do escudo da perseguição justa, quando o que nos faz ser perseguidos são nossa própria estupidez e incapacidade de comunicar da maneira correta a mensagem do amor inefável de Deus. A proclamação efetiva da fé está diretamente ligada à percepção da mensagem. Vivemos num mundo onde fé e religião são conceitos que já não andam juntos.

Nosso desafio hoje é separar a fé da percepção religiosa, quase que reinventar uma proposta cristã que tenha o frescor multicultural do Cristo que pregava na Galiléia dos discípulos de atos dos apóstolos o poder para tornar cada indivíduo deste planeta capaz de gerenciar sua vida, ter seus direitos respeitados e conhecer o Deus de amor.

Nota
1. Termo usado por Don Richardson no livro "O Fator Melquisedeque" (Editora Vida).


Bráulia Ribeiro, missionária em Porto Velho, RO, é autora de Chamado Radical (Ed. Ultimato). braulia_ribeiro@yahoo.com

publicado em http://www.ultimato.com.br/?pg=show_conteudo&util=1&categoria=3&registro=866&pagina=1

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Salmo 92

Pai, bom

            é agradecer-lhe de modo solene, no privado ou no público.

                        proclamar, através da música, o quão grande o Senhor é,

                        anunciar pela manhã a sua compaixão despertada pela nossa miséria,

                        anunciar pela noite a constância de suas promessas a nós feitas.

 

Porque o Senhor nos tem alegrado com as suas realizações,

            não aquelas maravilhosas e espetaculares, porque raras,

            mas com as ordinárias do dia a dia,

            ignoradas, de tão comuns.

Nos alegramos, ao extremo, pela sua criação.

 

Quando a contemplamos, emudecemos ante a beleza

e deduzimos porque

            os céus proclamam a sua glória,

            e um dia a anuncia ao seguinte

            sem sons e sem palavra.

 

Certamente o como faz é misterioso demais,

            mas o que faz é proclamado por todo o mundo.

Certamente os seus pensamentos estão além da nossa compreensão,

            mas o suficiente podemos conhecer pelo que tem revelado:

seu amor

sua ternura

sua identificação conosco

nossa eternidade ao seu lado.

 

Há alguns que não compreendem isso,

e cegos vivem,

            ou melhor,

                        sobrevivem

                        sem o coração aquecido

                        sem eira nem beira

num mundo frio

sem sentido

sem esperança.

 

Mas aqueles que confiam no Senhor

crescem como coqueiros

            que ser vergam sob os ventos

            mas têm o céu como farol.

escrito em 15/03/99

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Nunca desafie Deus

Ele era o maior objeto móvel construído pelo homem até então. Seu comprimento era equivalente a três campos de futebol e de acordo com o seu construtor nem Deus o afundaria. O gigante Titanic acabou por colidir com um iceberg em 14 de abril de 1912, matando 1.521 de seus 2.227 passageiros.

Ao dar entrevista a uma revista americana em 1966, o cantor John Lennon (então Beatles) disse: "O cristianismo vai acabar, vai encolher, desaparecer. Eu não preciso discutir sobre isso. Eu estou certo. Jesus era legal, mas suas disciplinas são muito simples. Hoje, nós somos mais populares que Jesus Cristo". Lennon foi baleado por um dos seus fãs e o cristianismo está aí.

Também aqui no Brasil, um presidente já eleito disse a seguinte frase antes de assumir a presidência: "Agora nem Deus impede que eu suba a rampa do planalto". O autor da frase, Tancredo Neves, faleceu antes de colocar os pés na rampa do planalto.

Poderíamos aqui listar vários outros exemplos de pessoas que desafiaram a Deus e que "pagaram" por isso, como Marilyn Monroe, Brizola e Bon Scote (ex-vocalista do conjunto AC/DC), mas vamos nos ater a um fato curioso que aconteceu nas últimas eleições.  

O deputado estadual Theodorico Ferraço, candidato tradicional a prefeito na cidade de Cachoeiro de Itapemirim, ES, afirmou dias antes da eleição, certo da vitória: "Eu tenho uma faixa de 42% dos eleitores que só Deus tira". Resultado? O seu concorrente, o deputado estadual Carlos Casteglione, que praticamente não teve padrinhos, conseguiu romper um revezamento político de lideranças tradicionais que desde a década de 70 tomavam conta da cidade.

É preciso pensar bem antes de falar. Realmente "o poder pertence a Deus" (Sl 62.11).

Fernanda Brandão Lobato, assistente editorial - Ultimato
fonte: http://www.ultimato.com.br/?pg=show_conteudo&util=1&categoria=1&registro=831

terça-feira, 4 de novembro de 2008

O Mundo julga a igreja

Recebi pelo meu correio eletrônico uma mensagem relacionando os projetos de lei no Congresso Nacional que ameaçam os cristãos. Não os verifiquei; aceitei a mensagem como verdadeira, ou pelo menos, como uma desculpa para repensar o mundo evangélico brasileiro hoje.

1) Reforma Constitucional – Mudanças no texto da Constituição que garantem a liberdade de culto. Se aprovadas, fica proibido culto fora das igrejas (evangelismo de rua), cultos religiosos só com portas fechadas.

Liberdade de culto implica em liberdade de realizá-lo em qualquer lugar? Esta liberdade se aplica as demais práticas religiosas do Brasil? Evangelismo é uma coisa, culto é outra. Rua não é lugar de cerimônia (exceto em situações especialíssimas); evangelismo não deveria ser discreto?

2) Projeto nº 4.720/03 – Altera a legislação do 'imposto de renda' das pessoas jurídicas / Projeto nº 3.331/04 – Altera o artigo 12 da Lei nº 9.250/95, que trata da legislação do imposto de renda das 'pessoas físicas'. Se convertidos em Lei, os dois projetos obrigariam as igrejas a recolherem impostos sobre dízimos, ofertas e contribuições.

Em épocas de construção de catedrais, pastores que acumulam riquezas (ao lado de milhares de anônimos que pastoreiam sem nada receber de suas comunidades, tal a pobreza de todos), promessas mentirosas de ascenção social e profissional através do dízimo (o Deus de Israel agora é subornado, bajulado, etc) e religiosos eleitos que prestam um desserviço à comunidade parece ser uma reação normal de uma sociedade que se cansa de ver o Nome de Deus tomado em vão e blasfemado na maior cara de pau. Realmente, "as pedras clamam".

3) Projeto nº 299/99 – Altera o código brasileiro de telecomunicações (Lei 4.117/62). Se aprovado, reduziria programas evangélicos no rádio e televisão a apenas uma hora.

Como a lei tem de valer para todos, todos os programas religiosos seriam reduzidos a uma hora. A desculpa para não comparecer às comunidades de fé, interagirem com os irmãos, vivenciarem a fé com os pés no chão parece acabar. E quem sairia perdendo? Quem escuta os programas? não são os cristãos? Por que financiá-los?

4) Projeto nº6.398/05 – Regulamenta a profissão de Jornalista. Contém artigos que estabelecem que só poderá fazer programas de rádio e televisão, pessoas com formação em JORNALISMO. Significa que pastores sem a formação em jornalismo não poderão fazer programas através desses meios.

A regulamentação da profissão de jornalista é uma longa história, cheia de projetos, idas e vindas. Mais uma vez, tenho minhas dúvidas sobre a utilidade, para o Reino de Deus, de tais programas. Um aspecto positivo é que as denominações que desejarem programas de rádio e televisão terão de investir na formação dos seus obreiros, o que vai lhes ampliar os horizontes. Como jornalistas, estarão sujeitos também a um novo código de ética. Parece que a sociedade está dizendo "queremos mais ética no trato das coisas de Deus".

5) Projeto nº 1.154/03 – Proíbe veiculação de programas em que o teor seja considerado preconceito religioso. Se aprovado, será considerado crime pregar sobre idolatria, feitiçaria e rituais satânicos. Será proibido que mensagens sobre essas práticas sejam veiculadas no rádio, televisão, jornais e internet. A verdade sobre esse atos contrários a Palavra de Deus não poderá mais ser mostrada.

Aos discípulos foi ordenado que pregassem o Evangelho, "pode de Deus para todo aquele que crê", a "Cristo crucificado". Idolatria, feitiçaria, rituais satânicos e outros são combatidos de forma eficiente com a oração e pregação do "pecado, da justiça e do juízo". Seremos capazes de pregar sem intolerância, sem preconceito?

6) Projeto nº 952/03 – Estabelece que é crime atos religiosos que possam ser considerados abusivos a boa-fé das pessoas. Convertido em Lei, pelo número de reclamações, pastores serão considerados 'criminosos' por pregarem sobre dízimos e ofertas.

Deveriam ser considerados criminosos todas as vezes que os dízimos e ofertas não forem publicamente expostas, com sua destinação comprovada segundo o orçamento da igreja, certificada por um conselho fiscal e aprovada pela assembléia dos fiéis.

7) Projeto nº 4.270/04[/b] – Determina que comentários feitos contra ações praticadas por grupos religiosos possam ser passíveis de ação civil. Se convertido em Lei, as Igrejas Evangélicas ficariam proibidas de pregar sobre práticas condenadas pela Bíblia Sagrada, como espiritismo, feitiçaria, idolatria e outras. Se o fizerem, não terão direito a se defender por meio de ação judicial.

Lei um tanto esquisita...desde quando se pode proibir a defesa judicial? Vale o comentário do item 5.

8) Projeto de nº 216/04[/b] – Torna inelegível a função religiosa com a governamental. Significa que todo pastor ou líder religioso lançado a candidaturas para qualquer cargo político, não poderá de forma alguma exercer trabalhos na igreja.

Extremamente saudável e bem vinda. Permite que cada um se dedique ao seu ministério naquele momento, sem conflitos de agenda ou de "lealdade".

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Fé, Ciência e Bioética VII

CIÊNCIA, FÉ E BIOÉTICA

 

Ética é a disciplina filosófica que valoriza, que hierarquiza valores. Bioética tem várias definições. Uma delas, onde faço pequena modificação, a define como "a ciência do comportamento moral dos seres humanos diante de toda a intervenção da biotecnociência e das ciências da saúde sobre a vida [e o meio ambiente], em toda a sua complexidade".

 

Bioética utiliza todo o conhecimento humano acumulado, seja técnico-matemático, seja biológico-filosófico. É multidisciplinar. Nenhum subconhecimento a contém; ela perpassa por todos na sua transdiciplinaridade. Chama ao diálogo, mediado pela razão, todos os interessados em suas questões, reunindo todos os preconceitos, desmascarando-os e, frequentemente, reforçando-os.

 

Hoje faz parte do cardápio de temas no almoço e encontros sociais, das matérias escolares em todos os níveis, da imprensa. E todos que desejam, palpitam.

 

Provavelmente na cultura ocidental a maior parte dos crentes (lembrando que o termo aqui define aquele que livremente abraça uma fé) não distoa da média em um bom número de tópicos bioéticos. Os critérios da ética principialista (autonomia, beneficiência, não-maleficiência e justiça) dificilmente seriam questionados. O uso indiscriminado  de placebo contra drogas em avaliação envolvendo populações doentes (como a investigação de medicamentos para AIDS em populações africanas) deve ser consensualmente (o que não quer dizer unanimemente) condenado, baseado no princípio de que a vida humana tem mais valor que a economia da indústria farmacêutica. Pontos semelhantes a esses dificilmente despertam o antagonismo fé-ciência.

 

É correto o uso de células-tronco? engravidar para que o segundo filho forneça células e tecidos (sem maiores danos para ele) para o irmão? fazer exames genéticos que podem predizer as chances de sofrer alguma doença grave?

 

Tendo em mente toda a discussão anterior, podemos estabelecer as seguintes linhas gerais:

1.      o crente, ao analisar uma questão bioética, o fará através de uma ética principialista própria da sua confissão de fé, com a qual, a princípio, firmou sua lealdade

2.      o não-crente, mas religioso, o fará levando em conta suas preferências filosóficas

3.      toda questão bioética é, por definição, filosófica, portanto, inabordável empiricamente

4.      o objetivo primário da ciência, a sobrevivência e conforto humanos,  propõe "a capacidade de fazer"

5.      a fé não questiona a capacidade, mas a utilidade comunitária, a igualdade de acesso, os custos em termos de valor, as repercussões sobre a moral vigente (sejam questionamentos ou novos desdobramentos)

a ciência somente colabora fornecendo modelos explicativos de algum aspecto pontual da realidade, jamais sendo a juíza final

Fé, Ciência e Bioética VI

O CONFLITO FÉ E CIÊNCIA

 

A complexidade das razões do conflito fé e ciência não permite, neste espaço, uma análise pormenorizada. Pincei alguns que, provavelmente, todos já consideramos.

 

A associação com o poder político é um golpe severo na imparcialidade científica - exemplo recente, as provas científicas da superioridade da raça ariana fornecidas pelo III Reich. É um golpe mortal para a transcendência da fé - exemplo maior, a cristianização do império romano com seu reflexo posterior, a igreja-estado da Idade Média. Caracteriza-se por um fato absolutamente antidemocrático e antipático: o uso do poder de polícia, da força bruta, para impor idéias ou "fatos".

 

A ambição pelo monopólio da verdade, com a suposição implícita de que é possível exercê-lo e consequentemente a destruição daquele que não o detém. Não é o pano de fundo da controvérsia "criação X evolução"?

 

O preconceito de parte a parte. O cientista é um ateu, agnóstico, "contra Deus". O crente, supersticioso, obscurantista, retrógrado, conservador.

 

O desejo pela autonomia. Termo filosófico que significa ser o autor das próprias regras, no lugar da heteronomia, que é submeter-se às regras dos outros. Ou seja, quem determina o que é certo e o que é errado?

 

Neste ponto ligamos ciência, fé e ética.