Bráulia Ribeiro A quarta-feira amanheceu como manhã de Natal no mundo. Do Líbano à Indonésia, do Quênia ao Brasil, o mundo se maravilhou com a nova democracia que nascia na América. Talvez os americanos não se dêem conta das lágrimas que arrancaram de pessoas do mundo inteiro diante da TV enquanto os democratas gritavam: "Yes, We Can!". A hostilidade que a América inspirou durante o governo Bush se transforma numa admiração maravilhada diante do meio negro, meio branco, meio muçulmano, meio cristão Barack Hussein Obama Jr. A terra das oportunidades revela ao mundo novamente sua face mais generosa. O símbolo de Obama é maior que o homem. Ele já é um ícone, uma marca na história, uma tendência. "Coincidentemente", o simbolismo é semelhante ao que representa o índio Evo Morales para a Bolívia indígena, o operário Lula para o Brasil trabalhador, entre outros muitos líderes mundiais. Porém Obama nasce muito maior, nasce um redentor para o mundo. Ele é a encarnação da metáfora Clark Kent -- Superman, o homem de todo dia, o homem da rua que com uma troca de roupa se torna um super-herói transcendente. Já ouvi muitos cristãos sobre o fenômeno Obama. Alguns preocupados com suas percepções sobre a economia de mercado, aborto e casamento homossexual. Outros, preocupados com a unanimidade internacional que ele se tornou, se preocupam com o fim dos tempos e um possível anticristo, num cenário de paz mundial. Acredito que temos de tirar lições deste momento histórico e tentar traçar o futuro de missões cristãs no século 21. Multiculturalismo superlativo Obama não ganhou por sua negritude. Aliás, sua negritude é dúbia, ele é misturado, mulato, foi criado numa família branca. Nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, a separação entre brancos e negros não é apenas racial, é cultural. Obama, em sua visão de mundo, não é culturalmente negro, como a maioria dos negros americanos. Ele representa a mistura, a capacidade de convivência e "fecundação" entre as duas culturas. Todos podem se identificar com ele de uma maneira ou de outra. Ser multicultural é evitar rótulos, ser culturalmente sensível, mas ao mesmo tempo culturalmente cego. Isto é a essência, o DNA de missões transculturais. No processo de encarnação numa nova cultura, você se vê sendo sem pertencer e guia as pessoas a uma percepção de si mesmas que inclui o resto do mundo. Não há força de paz geopolítica maior do que missões cristãs. O mundo geme com muitas dores, e a maior de todas elas é a rejeição. As pessoas rejeitam seu corpo, sua identidade, sua cultura, e ao mesmo tempo se tornam extremamente defensivas de si mesmas. Qualquer afirmação do valor individual e coletivo cai nos corações como água em terra seca. A eleição de Obama grita a todos: "Sim, é possível". Ela destaca o valor da busca individual por sucesso, assim como o valor do grupo. Vista como o início da era pós-racial pelos especialistas, sua vitória não acirra sentimentos de ódio racial; antes, desmonta preconceitos e mostra que ninguém mais está fora, que o mundo é multicultural. Multiculturalismo era um dos valores mais importantes do ministério de Jesus. O Messias para todos os povos começou seu ministério na área menos judaica de Israel, Decápolis. Sua mensagem era entendida por judeus gregos e romanos, e depois, no início da igreja, proclamada em todas as línguas de todas as nações debaixo do céu (At 2.5-6)... É tempo de sermos extravagantes em expor o dom cristão do multiculturalismo. De todas as religiões mundiais, o cristianismo é a única que, apesar de ter laços históricos definidos, é supracultural. É tempo de reuniões multiformes, palestrantes de todos os recantos do mundo, reuniões mundiais que nos aproximem. Mais do que qualquer outra comunidade ou religião, o cristianismo pode construir a verdadeira ponte entre as nações do mundo. Empoderar as "grassroots" O Partido Democrata sabia que era tempo para mudança real, por isto preteriu Hilary. Foi um lance de alto risco, mas as eleições primárias mostraram a força de Obama nas "grassroots", ou seja, no povo, nas comunidades, como movimento popular. Ele se tornou o candidato pop. A palavra-chave hoje nos movimentos sociais é "empoderamento". Não teremos sucesso na proclamação do evangelho sem o empoderamento das comunidades em que trabalhamos, isto é, se não tivermos educação combinada com transformação e engajamento social. No reino temos diversas ferramentas de empoderamento social. A pequena congregação que se reúne num salão de madeira na periferia empodera quando transforma o trabalhador braçal ou o desempregado em um presbítero orgulhosamente vestido para receber os irmãos na porta da igreja aos domingos. No Brasil não existe força social transformadora maior do que a igreja Universal e a igreja Assembléia de Deus, com quase 30 milhões de membros. No entanto, a mesma igreja que empodera socialmente aliena politicamente. Precisamos de uma redenção política. Missões protestantes a partir do Brasil, durante um tempo, não se preocuparam com o aspecto político-social. Nos últimos anos, porém, a hostilidade dos países fechados, a falta de liberdade religiosa, tem feito com que missionários tenham de adotar uma atividade social como atividade primária para justificar sua presença. Há males que vêm para bem, como diz o ditado popular; até a perseguição contribui para o reino. O aumento da hostilidade religiosa no mundo tem feito com que sejamos levados a uma abordagem mais holística em nossa proposta missionária. A eleição milionária de Obama nos ensina que há mais dinheiro nos pequenos bolsos do que nos grandes, há mais vontade, mais energia no povo quando motivado do que em iniciativas que venham de cima. Empoderar as massas é a maior alavanca para provocar mudanças sociais. Os marxistas sabem disso e usam esse expediente há anos. A hegemonia da ideologia socialista hoje no mundo prova isto. De uma maneira ou de outra, hoje o mundo todo fala o jargão socialista, sem nem saber de onde vêm as idéias que compartilham. As idéias se espalharam e hoje são a maior alavanca política do mundo. Estamos alavancando o poder das "grassroots" para mudar o mundo ao nosso redor? O discurso evangélico empodera ou castra as pessoas? Fé verdadeira, mas não religiosa Obama se destaca pela fé não religiosa. Ele não negou sua fé cristã, mas não a usou como arma nem como plataforma de campanha. Muitos americanos, olhando através dos óculos conservadores do Bible Belt, o crêem desviado. Porém, "sim, nós podemos" é uma mensagem de fé. Manter-se limpo e não acusar baixamente os opositores é outra. Enquanto Sarah Palin, cristã ativa que também freqüenta igreja, preferiu ficar dentro do cristianismo religioso, Obama conseguiu se manter de fora, apesar do escândalo com seu pastor extremista. De acordo com a Palavra, nós não apenas temos de ser limpos, mas também aparentar limpeza. O meio é a mensagem de acordo com Jesus e Mcluhan. Não basta dizer que amamos, temos de parecer amor. A versão tradicional americana do protestantismo é lida hoje como antipática, radical e geradora de preconceitos e hostilidades. A pobre Sarah Palin sofreu com isto. Até a sua família grande, seu filho excepcional, sua filha adolescente grávida, acolhida com amor por ela e pelo marido -- tudo isto foi usado contra ela. Se você é religioso calado já está errado. Infelizmente, a mensagem que mais se destaca hoje entre as mensagens do cristianismo religioso é o moralismo. Por causa do peso do moralismo o mundo se vê constantemente julgado pelos cristãos, e ele odeia julgamento, aliás, com razão. Julgar é o oposto de amar. Jesus tornou claro: "Não vim para julgar o mundo, mas para salvá-lo". A igreja protestante falhou em compartilhar esta mensagem. Com freqüência nos escondemos atrás do escudo da perseguição justa, quando o que nos faz ser perseguidos são nossa própria estupidez e incapacidade de comunicar da maneira correta a mensagem do amor inefável de Deus. A proclamação efetiva da fé está diretamente ligada à percepção da mensagem. Vivemos num mundo onde fé e religião são conceitos que já não andam juntos. Nosso desafio hoje é separar a fé da percepção religiosa, quase que reinventar uma proposta cristã que tenha o frescor multicultural do Cristo que pregava na Galiléia dos discípulos de atos dos apóstolos o poder para tornar cada indivíduo deste planeta capaz de gerenciar sua vida, ter seus direitos respeitados e conhecer o Deus de amor. Nota 1. Termo usado por Don Richardson no livro "O Fator Melquisedeque" (Editora Vida). • Bráulia Ribeiro, missionária em Porto Velho, RO, é autora de Chamado Radical (Ed. Ultimato). braulia_ribeiro@yahoo.com publicado em http://www.ultimato.com.br/?pg=show_conteudo&util=1&categoria=3®istro=866&pagina=1 |
Crer não é sinônimo de não pensar. Crer implica em pensar, em relacionar fé com a realidade, questionando uma a partir da outra. O conteúdo são pensamentos às vezes rápidos, em elaboração; outros, já mais elaborados. Ambos buscando provocar discussão e reposicionamentos, partindo sempre da confissão de fé protestante. Os artigos classificados como "originais" podem ser reproduzidos desde que com a menção da fonte e autoria. Ano V
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
A Eleição de Barack Obama
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