sexta-feira, 25 de maio de 2012

Enganos no diálogo entre ciência e fé

Às vezes parece ter um choque entre ciência e Bíblia. Isto pode causar até conflitos no coração daqueles que conhecem a Palavra de Deus. Em alguns casos pode levar até ao abandono da fé em Cristo, substituindo-a por uma fé na ciência.

O que tem me ajudado muito neste ponto é este pequeno diagrama ao lado. São quatro livros em duas prateleiras. Na prateleira debaixo encontram-se os livros básicos, a Bíblia (B) e a natureza (N). Na prateleira de cima estão os comentários sobre a Bíblia (cB) e os comentários sobre a natureza (cN). Neste diálogo é bom lembrar que foi o Senhor mesmo que nos deu os dois livros. São livros escritos pelo mesmo Autor sobre assuntos diferentes, e não como uma primeira e uma segunda edição revisada do mesmo livro. Mas esses dois livros têm o mesmo alvo: que os mordomos da natureza cuidem bem dela e louvem ao seu Criador.

Agora, as nossas reflexões sobre algum texto sempre são como comentários, interpretações relacionadas ao texto, escrito ou ágrafo. Entretanto, quem está lendo pode se enganar sobre o significado de uma passagem, particularmente quando se trata de um trecho difícil, até mesmo quando se trata de assuntos relacionados ao seu próprio campo de estudos. Assim, comentaristas da Bíblia (cB↓) podem estar enganados na sua interpretação da Bíblia (B), e intérpretes da natureza (cN↓) podem confundir-se ao lerem os dados da natureza (N). De fato, enganos ocorrem, mais ainda quando alguém faz afirmações sobre assuntos que não pertencem à sua especialização. Assim, teólogos podem enganar-se na sua compreensão da natureza (↘), e cientistas podem iludir-se ao lerem a Bíblia (↙). Além dessas quatro áreas de possíveis equívocos (↓↘ e ↙↓), há uma quinta: a tensão entre os próprios comentaristas sobre o significado dos seus comentários (cB↔cN). Longe de pensar que por isso Derrida teria razão de relativizar o significado de praticamente qualquer discurso, temos de reconhecer que esses equívocos são fatos reais e, por isso, as nossas indagações e dúvidas também são sinceras e reais.

De fato, enganos semelhantes têm ocorrido na discussão entre estudantes da Bíblia e os da natureza. Assim, ao combaterem o cientista Galilei (↔), teólogos se enganaram tanto na leitura da Escritura Sagrada como da natureza (↓↘). Depois reconheceram que a Bíblia não era um manual sobre astronomia, mas falava a língua diária do homem comum. Por outro lado, cientistas ridicularizaram teólogos (↔) por acreditarem na existência de Belsazar registrado na Bíblia (↙↓). Depois eles descobriram que aquele último rei da Babilônia, de fato, era uma figura histórica, e que estava substituindo seu pai arqueólogo (já naquele tempo!).
Agora, apesar de acreditarmos que tanto a Bíblia como a natureza são ‘livros’ dados por Deus para que os estudássemos com submissão e afinco, temos de reconhecer que é possível haver aparentes contradições, devido as limitações dos modelos usados para a análise. Por isso devemos observar três placas nesta estrada de estudos comparativos. São como três lembretes: paciente, crescente e consciente.

Paciente
O primeiro lembrete nos admoesta a sermos pacientes por causa dos nossos próprios limites humanos. C. S. Lewis nos lembrou que há perguntas sem respostas, pois “não dá para responder perguntas tolas [como]: quantas horas cabem num quilômetro? A cor verde é quadrada ou redonda?” E acrescentou: “Talvez metade das nossas perguntas — sobre nossos grandes problemas teológicos e metafísicos — sejam deste tipo”*. As perguntas sobre a Bíblia e a natureza não são tolas, mas dentro desse assunto, há aspectos que beiram o limite do nosso entendimento. Forçar a barra do segredo não leva a nada. Por isso, sejamos pacientes. Esse limite é comum em todas as áreas de conhecimento humano, inclusive nas próprias ciências exatas. Reconhecê-lo não é sinal de fraqueza, mas de franqueza, honestidade e humildade. Na velha Roma, os juízes podiam usar seu “NL” sem constrangimento: uma placa com essas duas letras que abreviavam “Non Liquet”, isto é, o assunto não está claro (líquido). Se, depois de ouvir as testemunhas, o caso ainda não estava claro, eles erguiam as suas plaquinhas “NL” na hora da votação. Não era um atestado de ignorância, nem prova de indecisão, mas de juízo. Não há nada demais quando nós, mortais, não temos coragem de forçar uma resposta e reconhecemos que ainda precisamos de mais luz sobre grandes perguntas. É um sinal honesto de que estamos no limite do nosso conhecimento e compreensão. Precisamos ter sabedoria e coragem para, às vezes, erguer o nosso “NL”, pois o sábio conhece o tempo e o modo (Ec 8.5).

Crescente
Para algumas pessoas, essa tensão é quase insuportável. Assim mesmo, precisamos ter paciência, pois, pouco a pouco, podemos entender melhor esse assunto. Por isso, observemos também o segundo lembrete: crescente. Às vezes tínhamos de dizer aos nossos filhos: “Quando crescerem, vocês vão entender melhor”. Crescimento requer tempo. Por enquanto, cada um pode levantar a sua plaquinha. Porém, mais cedo ou mais tarde, Deus vai lhe dar a resposta, durante esta vida passageira ou depois de entrar nos tabernáculos eternos. Durante minha pereginação, o Senhor me ensinou muitas coisas preciosas. Não que ele tenha respondido todas as minhas indagações; ainda tenho uma lista de perguntas no bolso. Mas sei que, durante esta peregrinação, “Tu me guias com o teu conselho e depois me recebes na glória” (Sl 73.24). Há apenas um pequeno problema técnico: de certo a listinha ficará para trás.

Consciente
Além dos lembretes “paciente” e “crescente”, há um terceiro: consciente, que aponta para nossa consciência. Temos de reconhecer que nem sempre conseguimos convencer outros do nosso ponto de vista, por mais bíblico que seja; isso pode ocorrer mesmo quando a outra pessoa também quer se submeter à Palavra de Deus (2 Co 10.5). É possível que, ao invés de conseguir convencer você a favor da conjuntura dos ‘dois livros’, o resultado seja você honestamente considerar isto como algo ridículo. Por isso quero lhe mostrar (no próximo artigo) algo sobre a história desta posição antiga, mas não antiquada. Da minha parte, a amizade continua a mesma. Que Deus lhe abençoe, co-peregrino! Somente examinemos ambas, a Bíblia e a natureza, pois ‘Os céus proclamam a glória de Deus. E a lei do Senhor restaura a alma’ (Sl 19.1,7).

* C.S. Lewis, A Grief Observed (Londres: Faber, 1983), p. 55. Em português, "A Anatomia da Dor" (Editora Vida).

_____________
Doutor em história e pastor emérito da Igreja Evangélica Reformada, Francisco Leonardo Schalkwijk mora na Holanda com sua esposa Margarida, com quem serviu como missionário no Brasil por quase 40 anos. É autor de Confissão de Um Peregrino, "Igreja e Estado no Brasil Holandês, 1630 - 1654" e da gramática grega Coine.

fonte: http://www.ultimato.com.br/conteudo/enganos-no-dialogo-entre-ciencia-e-fe

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Pastor propõe campos de concentração para homossexuais

Hélio Pariz


O pastor Charles L. Worley da Igreja Batista de Providence Road em Maiden, na Carolina do Norte, provocou uma enorme polêmica nos Estados Unidos ao propor, no púlpito de sua igreja (vídeo abaixo) no último dia 13 de maio, a criação de campos de concentração com cercas eletrificadas, de cerca de 100 a 150 milhas (de 155 a 233 km) de diâmetro, reunindo em um deles todas as lésbicas, em outro todos os gays, jogar comida para eles (de avião ou helicóptero, provavelmente), até que eles morram por causas naturais e - assim - não existam mais homossexuais no país.

Por mais que seja um exagero de retórica de profundo mau gosto contra a declaração do presidente Barack Obama a favor do casamento gay, a pregação do pastor Worley revela o quanto o discurso evangélico atual se tornou refém de um debate político-ideológico sobre identidade sexual cujos excessos e grosserias em nada contribuem para que vidas - inclusive dos homossexuais - sejam transformadas pelo puro e simples evangelho de Cristo. Mais afasta do que atrai.

Além disso, o pastor Worley imagina que, uma vez confinados e exterminados todos os homossexuais do seu país (ou do mundo, quiçá) por este método que, digamos, lembra certas práticas alemãs de meados do século XX contra judeus e homossexuais (entre outros), as novas gerações não produzirão mais homossexuais. A não ser que já prevejam reaproveitar futuramente os campos de concentração que - a essa altura do campeonato - estarão vazios e sem serventia.

Se é esta a mensagem do evangelho para o século XXI, algo muito estranho está acontecendo com o cristianismo.





fonte: http://www.genizahvirtual.com/2012/05/pastor-americano-propoe-criar-campos-de.html#ixzz1vkLjLJXF

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Abolição da escravatura e as igrejas evangélicas

Hernani Francisco da Silva


Segunda-feira, 14 de maio de 2012 (ALC) - O Brasil completou, no domingo, 13 de maio, 124 anos da abolição da escravatura.

O Brasil completou, no domingo, 13 de maio, 124 anos da abolição da escravatura. Entretanto, essa abolição não apresentou nenhum projeto de inserção de negro na sociedade. O negro continua na margem da riqueza produzida pela sociedade brasileira, situação reforçada pelas nossas igrejas na cumplicidade e omissão perante a escravidão e anos de racismo no Brasil.

Os primeiros protestantes chegaram ao Brasil ainda no período da escravidão. Era um grupo composto principalmente por defensores da escravidão, omissos, e poucos abolicionistas. No geral, os protestantes não tiveram um papel relevante na abolição da escravatura. Conhecer esse passado da Igreja protestante no Brasil pode nos ajudar a entender a relação da Igreja evangélica brasileira com o negro: sua cumplicidade na escravidão, sua omissão no passado e no presente diante do racismo, e seu silêncio no púlpito sobre a temática negra.

Vejamos cinco casos da questão racial no Brasil, de repercussão nacional, que as igrejas evangélicas foram e são omissas:

No centenário da abolição da escravatura

Em 1988, ano em que se comemorava o centenário da abolição da escravidão no Brasil, as igrejas evangélicas perderam uma grande oportunidade rumo à remissão dos cem anos de omissão com relação ao povo negro. Os movimentos negros naquela ocasião buscavam uma oportunidade à reflexão, não era um momento festivo. A Igreja Católica lançava a Campanha da Fraternidade: "Ouvi o clamor deste povo", com a temática negra. Enquanto as igrejas evangélicas repetiram o que fez cem anos antes na "abolição da escravatura", mais uma vez omissa, ficando de fora, perdendo o seu testemunho cristão e o bonde da história.

Nas questões dos quilombolas

O quilombo constitui questão relevante desde os primeiros focos de resistência dos africanos ao escravismo colonial, e retorna à cena política durante a redemocratização do país. Trata-se, portanto, de uma questão importante na luta dos afrodescendentes. Nos últimos 20 anos, os descendentes de africanos organizados em associações quilombolas, em todo o território nacional, reivindicam o direito à permanência e ao reconhecimento legal de posse das terras ocupadas e cultivadas para moradia e sustento, bem como o livre exercício de suas práticas, crenças e valores considerados em sua especificidade.
Com exceção da Igreja Anglicana, que na carta "Igreja Anglicana em defesa dos Quilombolas", de abril de 2009, assinada pelo seu bispo primaz e dirigida ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Ação de Inconstitucionalidade apresentada pelo DEM (ex-PFL), as demais igrejas continuaram totalmente omissas em relação à questão dos quilombolas.

Na questão da intolerância religiosa

Outro tema preocupante é a intolerância religiosa, sobretudo em relação a seguidores de religiões de matriz africana. Um dos casos de maior repercussão foi o que vitimou a yalorixá Gildásia dos Santos, a Mãe Gilda. Sua morte gerou indignação de lideranças de diversas religiões, processo na Justiça e, como forma de reconhecimento, a instituição do dia 21 de janeiro como Dia Municipal de Luta contra a Intolerância Religiosa – que depois ganhou também um reconhecimento nacional.

Sabemos que a intolerância religiosa pode resultar em perseguição religiosa e ambas têm sido comuns na história. A maioria dos grupos religiosos já passou por tal situação numa época ou noutra. Os próprios evangélicos eram chamados de bodes, nova seita. Bíblias eram confiscadas e queimadas na praça das cidades. Muitos tiveram suas casas incendiadas criminosamente, seus bens extraviados, suas vidas vilipendiadas. Essas mesmas igrejas hoje, omissas e até mesmo intolerantes, não podem esquecer que as igrejas evangélicas já foram perseguidas pelo ímpeto da intolerância.

Na crença da maldição do povo negro e africano

Dizem que a maldição de Cam está sendo simplesmente cumprida na medida em que os negros vivem para servir a outras raças, particularmente aos brancos. George Samuel Antoine, cônsul do Haiti no Brasil, numa entrevista veiculada pelo SBT, apontou como possível causa do terremoto certa maldição que pesa sobre o povo africano. Ao fazer tão infeliz comentário, o cônsul não sabia que ainda estava sendo filmado. Na mesma direção o tele-evangelista estadunidense Pat Robertson explicou as "desgraças" haitianas como sendo consequência de "pactos" ocorridos há 200 anos entre os haitianos e o demônio. Também o pastor e deputado federal, Marco Feliciano, disse no Twitter que "africanos descendem de ancestral amaldiçoado". O parlamentar, que é pastor e empresário, afirmou: "Sobre o continente africano repousa a maldição do paganismo, ocultismo, misérias, doenças oriundas de lá: ebola, Aids, fome..."

Entretanto, a questão que fica é: de onde vem essa ideia de maldição dos negros? Essas ideias vieram dos missionários, sulistas racistas, que tinham a escravidão como instituída por Deus para justificá-la, baseando-se em argumentos teológicos de que o povo negro era da descendência de Cam, filho de Noé, amaldiçoado para serem escravos dos escravos. O mais triste de tudo isso é que nenhuma denominação protestante ou liderança evangélica se manifestou diante dessas declarações. Mais uma vez as igrejas foram omissas, reforçando uma doutrina diabólica aceita por muitos crentes dentro dos seus templos.

Na questão das cotas

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre cotas marca um momento histórico. A mais alta corte de Justiça do país admitiu não só que existem brasileiros tratados como cidadãos de segunda classe, mas que eles têm direito a um tratamento especial para vencer a desigualdade. As ações afirmativas ou sistema de cotas é certamente o assunto mais polêmico quando se trata do ingresso de negros no ensino superior no Brasil. O STF julgou a constitucionalidade das cotas aplicadas na Universidade de Brasília desde 2004: 20% das vagas para "negros e pardos". O partido Democrata (DEM) tinha acusado a medida de ser anticonstitucional.

Outra vez as igrejas evangélicas ficaram de fora de mais uma grande questão do povo negro, omissas e silenciosas. Agindo como na parábola do bom samaritano narrada por Jesus nos evangelhos: passando de largo diante das questões dos negros e das negras.
 
As organizações ecumênicas Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e Koinonia têm realizado diversas ações referentes às questões dos quilombolas e à intolerância religiosa, mas elas não falam pelas igrejas evangélicas. São vozes proféticas, solidárias e solitárias que são criticadas por essas igrejas por suas ações na questão racial.

------------------------
Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)
Edição em português: Rua Ernesto Silva, 83/301, 93042-740 - São Leopoldo - RS - Brasil
Tel. (+55) 51 3592 0416

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Organismo lembra evangélicos que negros continuam fora das esferas decisórias

Brasília, segunda-feira, 14 de maio de 2012 (ALC) - A Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil (ANNEB) encaminhou pedido a lideranças de igrejas do protestantismo histórico, pentecostal e neopentecostal para que pregadores dessas denominações apresentem no domingo, 13, homilia baseada nas negras e negros da Bíblia ou em passagens que mostram que Jesus não era preconceituoso e racista.

"Historicamente, as igrejas evangélicas no Brasil sempre se omitiram em relação às questões racial, social e de gênero, e desconhecem os anos de luta da negritude pelo reconhecimento de sua identidade no contexto do segmento evangélico", lembrou a presidenta da ANNEB, pastora e professos Waldicéia de Moraes Teixeira da Silva. 

O organismo entende que é preciso alertar as lideranças evangélicas sobre "a persistência de um sistema que ainda mantém o negro e a negra longe das esferas de decisão, reproduzindo, com frequência, nas estruturas das igrejas, a discriminação, o preconceito e o racismo ao qual afirmam se opor".

Ontem, foi lembrado no Brasil o Dia Nacional de Denúncia contra a Discriminação, o Preconceito e o Racismo. Pesquia Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2005, demonstra que das 27 unidades da Federação em 21 a população negra é majoritária. Somente em seis Estados – Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – o negro é minoritário.

A presidente da ANNEB arrola que negros e negras constituem 73% da população mais pobre do país e apresentam os piores índices de empregabilidade, os menores salário, a mais baixa formação educacional e são maioria nas favelas, cortiços e presídios.  

Fundada em 2003, a ANNEB tem por objetivo elaborar e implementar em todas as esferas do segmento evangélico do Brasil o debate da questão racial e da negritude, com ações afirmativas teológicas sob a ótica da população negra, assegurar o pleno exercício de sua cidadania e promover a justiça e a igualdade social.
------------------------
Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)
Edição em português: Rua Ernesto Silva, 83/301, 93042-740 - São Leopoldo - RS - Brasil
Tel. (+55) 51 3592 0416

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Acompanhantes ecumênicos relatam experiências vividas na Cisjordânia

David Cela Heffel

Buenos Aires, quarta-feira, 9 de maio de 2012 (ALC) - A cada dia, das 4h às 7h, cerca de 3 mil palestinos passam pelo "Checkpoint 300", posto militar entre Belém e Jerusalém, cidades separadas por muro de concreto construído pelo Estado de Israel. Ao todo, existem 62 postos de controle em território palestino ocupado.

Há mais de cem tipos de permissão concedidos pelo Estado de Israel para palestinos que cruzam os postos de controle, desde trabalho, ir a um hospital, visitar familiares ou estudar. O argentino Lars Jacob acompanhou, por três meses, no final de 2011 e início de 2012, crianças e professores que diariamente tinham que cruzar um desses postos de controle militar israelense para estudar numa escola em Hebron. 

"Ainda que pareça mentira, é verdadeiro, também crianças em idade escolar são controladas, pois podem ser 'perigosas'", disse Lars em palestra promovida no sábado, 5, em Buenos Aires, pelo Programa Ecumênico de Acompanhamento na Palestina e Israel (Peapi), do Conselho Mundial de Igrejas (CMI).

Lars, Mariana Maldonado e Gisela Cardozo foram os primeiros três acompanhantes ecumênicos argentinos que integraram o Peapi e estiveram na Cisjordânia em 2011 e 2012. Além do controle nos postos de checagem, essas alunas e alunos sofrem humilhações de parte de colonos israelenses no centro de Hebrón. A política de hostilidade em relação aos palestinos é sistemática e constante, relatou Jacob.

Mariana comentou a lida de camponeses e boias frias que a cada dia precisam cruzar as "portas agrícolas", um eufemismo para posto controlado por soldados israelenses, a fim de chegar a suas terras. Existem 66 dessas "portas agrícolas" na Cisjordânia. 

Entre Israel e a Cisjordânia há um sem-número de postos de controle. São 25 pontos parciais, 490 volantes, 436 obstáculos entre torres de controle, além das portas agrícolas e dos "checkpoints". 

------------------------
Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)
Edição em português: Rua Ernesto Silva, 83/301, 93042-740 - São Leopoldo - RS - Brasil
Tel. (+55) 51 3592 0416

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O que a bíblia realmente diz sobre a homossexualidade

PARTE 3: O QUE FALTOU

Eduardo Ribeiro Mundim


O casamento enquanto metáfora

A relação entre o Deus do Velho Testamento e o povo de Israel é descrito em diversos momentos através da metáfora do casamento heterossexual, e da infidelidade de Israel, frequentemente chamado de "adúltera" e infiel. O profeta Oseias se casa com uma prostituta para demonstrar aos seus conterrâneos esta realidade. Mas não há a metáfora da "amizade traída", ou da lealdade entre amantes homoafetivos para representar a relação entre Deus e Seu povo - tanto no Velho quanto no Novo Testamento. Por quê?

A homossexualidade como norma

À página 118 Daniel afirma que o relacionamento sexual entre dois homens era tido como tão comum que não despertava nenhuma atenção. Se assim for, não há uma igualdade entre as relações sexuais hetero e homossexuais. Para que fossem iguais, ambas teriam de ser normatizadas, no interesse da proteção da parte mais fraca. Seriam as relações entre o mesmo sexo tão naturais a ponto de não demandarem nenhuma regulação ética e cúltica?!

Se a relação sexual entre pessoas do mesmo sexo fosse tão normal nos tempos dos Velho e Novo Testamentos, por que ela nunca é abordada de forma clara? Jesus quebrou vários esteriótipos (como a relação com os samaritanos e gentios) mas não quebrou este porque era um fato corriqueiro?! Sendo o seu número tão grande, como foi possível ter sido excluído, posto à margem, nas primeiras décadas da igreja? Se Paulo gasta muito latim na discussão contra os judaizantes e outras seitas de sua época, porque não instruiu uma só comunidade, ou um discípulo próximo a lutar contra esta descriminação?

Coerência na conclusão

Com uma facilidade incômoda,  Daniel usa meras conjecturas como fatos balizadores. No penúltimo capítulo elenca diversos possíveis relacionamentos homoafetivos entre personagens bíblicos: Jônatas e Davi, Rute e Noemi, Daniel e o eunuco chefe, o centurião e seu servo. Ainda que a hipótese de um relacionamento sexual entre eles seja atrativa, não é possível, nos textos bíblicos, levantar evidências que os tornem fatos, e não meras possibilidades. O esforço do  autor foi o de demonstrar, de forma lógica, como as Escrituras não condenam o ato homossexual, repelindo diversas construções teológicas com base na sua falta de sustentação. Mas ao final, cai no erro que condena.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

O que a bíblia realmente diz sobre a homossexualidade

PARTE 2: CRÍTICAS

Eduardo Ribeiro Mundim


Moralidade e soberania divina

Até onde Daniel está disposto a deixar Deus ser deus, e estabelecer Suas normas, sejam elas quais forem? À página 39, ele parece deixar a sugestão de que a natureza, tal como a vemos e interpretamos deveria ser a fonte da moral, ou a razão humana. As experiências totalitárias, sejam de que matiz forem, demonstraram não ser, nenhuma das duas, isoladamente, fontes seguras para a felicidade humana. E, por outro lado, a razão opera sobre conceitos prontos. De onde eles viriam?

Sodoma e Gomorra

É absolutamente de acordo com o texto de Gêneses afirmar que as duas cidades não foram destruídas em função do suposto homossexualismo de seus habitantes.

É absolutamente forçado afirmar que a destruição se deu em função da falta de hospitalidade dos habitantes. O autor deixar claro, logo ao início do episódio, que a destruição era decidida, em função da iniquidade deles ter atingido proporções insuportáveis. Quais iniquidades? O texto não menciona, mas as Escrituras espalham, nas referências que Daniel selecionou, várias delas. E nenhuma delas, seja de caráter pessoal, social, econômico ou sexual é eleita como principal.

No meu texto "homossexualismo, Sodoma e Gomorra" minha visão do episódio é mais destrinchada e debate, ponto a ponto, as opiniões de Helminiak.

A abominação de Levítico

Não estou bem certo que as conclusões que ele apresentam estejam em sintonia com o texto do próprio livro de Levítico.

Se aceitarmos a tese de que o adultério era um crime contra a propriedade de alguém, porque este seria o único crime patrimonial punido com a pena capital? Todas as impurezas, no código de santidade desta seção de Levítico, de caráter sexual, são objeto de pena capital. Por quê?

Daniel conclui que a questão da pena de morte para o homem que se deitar com outro homem é mera questão religiosa, e não moral ou ética (pg 51). Mas não é possível ver com clareza seu raciocínio.

Ele marca um ponto importante ao discutir o termo "abominação", mas reler todo o texto calcado apenas neste ponto não permite desvincular religião de moral/ética. Ainda que atraente, a tentativa de separar estes conceitos não é bem sucedida.

O texto de Romanos

A análise feita pelo Daniel fica prejudicada pelo fato dele relacioná-la aos textos de Levítico, ignorando o contexto claramente condenatório do arrazoado paulino.

A tentativa de apontar aspectos estoicos na redação de Paulo fica na metade do caminho - faltaram as evidências.

E fica, nas entrelinhas, que o apóstolo usou, nesta carta, de retórica em excesso - ou, que o que escrevia não era para ser levado textualmente. Mas faltam as evidências.

Coríntios e Timóteo

Novamente a questão etimológica é apresentada, e é importante a dificuldade na tradução dos termos gregos "arsenokoitai" e "malakoi" - termos que o Dicionário de Teologia do Novo Testamento (edição de 1984) não estuda.

E de termos tão difíceis, ele faz afirmativas categóricas - o que ele mesmo levanta como pouco plausível.

Demais colocações

Realmente as Escrituras falam pouco, explicitamente, do ato sexual entre homens, e nada do que entendemos hoje como homossexualidade. Aliás, é necessário até mesmo ser mais claro quando se diz "do que entendemos hoje como homossexualidade". Nada fala sobre ato sexual entre duas mulheres.

Mas é necessário ser cuidadoso com o silêncio das Escrituras - fato que, aliás, Daniel denuncia.

O que a bíblia realmente diz sobre a homossexualidade

PARTE I: IMPRESSÕES POSITIVAS
Eduardo Ribeiro Mundim


O livro de Daniel Helminiak é de fácil leitura. Um dos objetivos do autor foi de escrever de forma acessível, mas sem perder na qualidade da argumentação, o que ele consegue. As impressões positivas do livro são:

O Autor

Não é um acadêmico preso às quatro paredes de sua sala, ou perdido nos corredores da biblioteca. Seu currículo acadêmico é respeitável, publica em diversos periódicos, mas trabalha com os homossexuais, travestis e transgêneros. Ele os conhece, sabe que são gente de carne e osso, com sonhos, aspirações, lutas, tristezas, alegrias...enfim, seres humanos iguais aos outros seres humanos. Eles têm diante de si a questão do exercício da sua sexualidade e a pergunta que todo cristão sincero faz: está de acordo com os planos do Criador? agrada a Deus Pai? sou amado por Deus Filho de todo jeito? sou santificado por Deus Espírito Santo independente do meu exercício da sexualidade?

Foi ordenado padre católico romano na juventude, tendo sido professor em diversas disciplinas teológicas. Renunciou ao sacerdócio pela impossibilidade de conciliar sua homossexualidade com as diretrizes da instituição. Sua biografia está em sua página pessoal, http://www.visionsofdaniel.net/index.htm.
 A interpretação das Escrituras
 Este é o ponto que talvez mais dificuldades traga aos cristãos, hoje, e desde a assunção do Senhor Jesus aos céus: como interpretá-las?
 Daniel chama a atenção que esta atividade não é tão simples quanto parece, que certos cuidados e pressupostos são necessários para uma leitura coerente das Escrituras. Ele é honesto nos seus pressupostos. Todo o seu trabalho é calcado na chave história e crítica. Infelizmente, ele não detalha sua chave - basicamente a contrapõe a outra, que denomina literalista. Para o leitor menos avisado, fica a ideia de que há apenas duas formas de se aproximar da bíblia - o que não é bem o caso (conferir http://en.wikipedia.org/wiki/Biblical_hermeneutics).

O método deve ser coerente, aplicável a toda Escritura, verificável por quem lê a interpretação de tal modo que o leitor perceba que o raciocínio aplicado é o mesmo para todos os textos. O respeito às condições históricas da Revelação, os contextos imediato e remoto, a busca pela intenção primitiva do autor sagrado são algumas das questões que devem estar presentes na mente de quem abre a Bíblia.

A homossexualidade não ocupa um espaço importante nas Escrituras

A julgar pelo comportamento de diversos líderes religiosos brasileiros da atualidade, a noção de que as Escrituras cristãs se ocupam primordialmente em regular o exercício da sexualidade das pessoas não seria incorreta. Contudo, Daniel consegue demonstrar, com tranquilidade, que o objetivo das Escrituras é outro. Nas minhas palavras, e não nas de Daniel, as Escrituras revelam a situação do homem frente ao Deus Criador, fornecem pequenos flashes de quem é este Deus Criador Trino, o que Ele faz para resgatar para Si mesmo a humanidade perdida e o padrão ético que espera daqueles que se voltam para Ele.

Não usando os termos que ele lança mão, sendo a homossexualidade um pecado, ela não é diferente de nenhum outro.

Uma determinada leitura da Bíblia tem conduzido pessoas ao erro

E este erro tem resultado em violência física ou moral sobre pessoas comuns, indefesas. A satanização da sexualidade não heterossexual, usando a Bíblia como base, é uma deturpação da Sua mensagem original, uma traição à mensagem do Evangelho, um uso político (no sentido pejorativo) da fé simples das pessoas simples.

domingo, 6 de maio de 2012

Povos indígenas se articulam para impedir megaprojetos

Brasília, sexta-feira, 4 de maio de 2012 (ALC) - Pelo menos 13 megaprojetos, em dez países da América Latina, preocupam e mobilizam povos indígenas do continente, que recorrem à internet para alinhar posições e organizar a resistência. "Nossos problemas são praticamente idênticos aos dos indígenas de outros países", disse o líder da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Marcos Apurinã. 

Do Brasil, entram no rol de megaprojetos que atingem populações indígenas diretamente a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, no Pará, e a transposição do Rio São Francisco, na região Nordeste. Movimentos sociais alegam que indígenas de 28 etnias que vivem na bacia do Rio Xingu serão atingidos pela usina, que diminuirá o fluxo do rio, reduzindo a quantidade de peixes. Na transposição, 18 povos, alguns deles sem território demarcado ainda, também terão suas áreas afetadas.

"Hoje os povos indígenas não podem mais fugir do homem branco, da tecnologia. Temos que nos atualizar, preparar-nos para encarar esse novo mundo", declarou o líder da Associação Sociocultural Yawanawá, Taschka Yawanawá, do Acre, ao repórter João Fellet, da BBC Brasil. Tashka tem um blog (awavena.blog.uol.com.br) na rede mundial de computadores e recorre à internet para realizar videoconferências com representantes de povos indígenas de países vizinhos.

A exploração de cobre em terras da comunidade mapuche de Mellao Morales e Huenctru Trawel Leufú, em Neuquén, Argentina, a exploração de cobre na reserva de Jach´a Suyu Pakajaqui, em Pacajes, a exploração de ouro no Chile na fronteira com a Argentina, trazem prejuízos ambientais aos indígenas huascas, são todos projetos que merecem a contestação do movimento indígena continental.

Embora cancelada momentaneamente, preocupa indígenas bolivianos a construção de rodovia cujo trajeto corta o Parque Nacional Isiboro Secure (Tipnis), na Província de Beni e Cochabamba. O corredor de transporte intermodal que deve ligar Tucamo, na Colômbia banhada pelo Pacífico, à Belém, no Pará, também é contestado por indígenas, assim como o corredor de Manta, no Equador, ligando esse porto a Manaus.

A construção de rodovia em Bolaños a Jueuquilla, no Estado de Jalisco, México, da rodovia que liga a América Central à Colômbia, a rodovia interoceânica prevista para ligar o Peru e o Brasil, o plano Puebla-Panamá são projetos de grande envergadura que têm impacto em áreas indígenas, que não querem ver seus territórios prejudicados.

"Preocupa-nos a nova forma de desenvolvimento conhecida com economia verde. Entendemos isso como um esforço para a exploração dos recursos naturais nos territórios indígenas", declarou à BBC Brasil o técnico da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), Rodrigo de La Cruz. A Coica agrupa indígenas do Equador, Bolívia, Brasil, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.

------------------------
Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)
Edição em português: Rua Ernesto Silva, 83/301, 93042-740 - São Leopoldo - RS - Brasil
Tel. (+55) 51 3592 0416

sexta-feira, 4 de maio de 2012

do amor e do ódio e do índio


Entre os dias 27 e 30 de abril uma comissão de Juízes da Associação de Juízes para a Democracia – AJD visitou as comunidades indígenas Kaiowá e Guarani no sul de Mato Grosso do Sul. Quatro juízes e uma desembargadora puderam conhecer e conviver com comunidades indígenas confinadas, espoliadas, acampadas, refugiadas, resistentes e esperançosas.

Abaixo, a partilha desta vivência nas palavras de Dora Martins.


Do amor e do ódio e do índio.
Mba’éichapa!

Foi uma experiência de amor; amor que nos remete a nós mesmos, e que nos alimenta com a possível esperança de um mundo de diferentes que se mirem sem medo ou ódio.

Voltamos, hoje, da viagem aos diferentes e humanos Guaranis Kaiowá, em Mato Grosso do Sul. Viagem de fundo amoroso, sem dúvida, em que pese o amor doer com a dor do outro e que isso nos remeta à nossa humanidade, tão singela, tão impotente por vezes.

O ódio aos Guaranis está em todo canto por aquele Estado tão cheio de verde da cana e da soja e do dinheiro. E, com o encanto dos que lutam junto dos Guaranis seguem a ameaça, a interdição, o assombro.

Emocionante ver os indígenas nos receberem com rituais e danças e celebrações. Que se espantem todos os espíritos do mal! Dançamos, pisamos na terra deles, com eles. Ouvimos e fomos ouvidos. Foi emoção enrolada em emoção. Fizemos um minuto de silêncio, em meio à mata verde, em círculo, no centro o local onde o Nisio Gomes sangrou e sangrou.

Crianças tão pequenas e nada temerosas, com abraços e risos e danças também. Muitos líderes falaram, e "porque a justiça não se concretiza se nós, indígenas, aceitamos a lei do branco"? E nós, juízes, ali, "veneno e antídoto" a engolir em seco lágrimas insuspeitas. Conseguimos, estou certa, nos fazer ver além e através da toga. E foi bom. 

E o líder Jorge bradou justiça com a Constituição na mão, e as mulheres fizeram, na história, sua segunda ATY GUASU (assembleia) para discutir o medo de não terem terra, alimento, saúde e identidade. Mulheres indígenas com voz. Homens indígenas que querem voltar a ocupar seu território sagrado e tão vilipendiado. E as atrocidades se repetem compassadamente.

Nos agradeceram os companheiros brancos, que lá nos receberam, e nos presentearam com a fala de que, com toda certeza, nós, juízes brancos, ao irmos até lá "fizemos história na história deles". Mais lágrimas e legítimas. E foi tocante saber que eles acharam honroso e importante que juízas e um juiz que lá estiveram se fizeram acompanhar por familiares, crianças e filhos. E tudo ficou tão familiar, tão igual, tão brasil profundo de brancos e índios... Um alento, para todos, e em especial para aqueles que lá, guerreiros bravios, lutam em prol da causa Guarani; lá, em Mato Grosso do Sul, onde juízes decidem os processos de uma perspectiva tão divorciada da terra e dos humanos valores indígenas, a ponto de entenderem que quando a prova é apenas a "fala do índio", ainda que sejam dezenas deles, alega-se "falta de prova" para por fim ao caso... Afinal, para esse cego olhar da justiça de branco, palavra de índio não vale!

Dora Martins, Juíza.

fonte: http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6235&action=read#

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A Face Oculta do Pastor


Eduardo Ribeiro Mundim


O primeiro “ataque” que o meu então conceito sobre o “ser pastor” sofreu foi da boca do meu “guru” da juventude, à época assessor da Aliança Bíblica Universitária: ser pastor é uma profissão como qualquer outra! Fim do meu romantismo.

O segundo “ataque” veio da boca de um querido pastor, a quem muito devo na minha caminhada de fé, e por isso celebrou meu casamento. Quando fui visitá-lo após uma cirurgia, disse-me: “a gente não tem muitos amigos entre os pastores”! Fim da minha ilusão.

Pastor está em baixa, no meio secular. Graças a diversos escândalos, são tidos pelos não cristãos, por manipuladores da crendice alheia, aproveitadores dos incautos, vendedores de ilusões.

No Corpo de Cristo não parece existir hierarquia (exceto na clara definição de Quem é O cabeça), mas membros que, em conjunto, operam para que o corpo cumpra sua função. Assim, são chamados mestres, apóstolos, evangelistas, diáconos, presbíteros, … (não parece ter sido intenção do apóstolo que a lista fique fechada). Portanto, o pastor bíblico é aquele chamado pelo Senhor da Igreja para ser, irmão entre irmãos, aquele que cuida de cada um na sua caminhada espiritual.

E neste mister é imperativo bíblico que ele seja sustentado pela comunidade que pastoreia.

Mas o sustento será somente financeiro? Uma leitura das cartas que Paulo escreveu sugere que não. Nelas transpira o cuidado de vários irmãos para com o apóstolo, cuidado nos detalhes da vida cotidiana e com as suas necessidades pessoais. Novamente, não me parece que as Escrituras queiram nos fornecer uma lista fechada de “itens obrigatórios para a igreja fornecer ao seu pastor”.

Dentro da metáfora do corpo, aquele que é chamado a exercer a função/ofício de pastor é um igual entre iguais com uma função específica. E este igual frequentemente nós transformamos em um “super”. Sua família é sempre perfeita, ele é sempre um bom e exemplar esposo e pai, não tem angústias existenciais (afinal, é pastor), muito menos dúvidas espirituais (afinal, é pastor); sua palavra é certa e infalível (afinal, é pastor), seu comportamento, imperativo bíblico, irretocável (afinal, é pastor).

Mas a realidade não é esta. Irmãos como nós, com as mesmas dificuldades e angústias, acrescidas de uma barreira que nós não temos: a máscara da perfeição que lhes impomos. Máscara que existe somente na nossa fantasia, e que deve ser trocada pelo rosto humano, real, carente de amizades verdadeiras e interesse desinteressado.

Que o Senhor da Igreja abençoe o Seu corpo.

terça-feira, 1 de maio de 2012

A Ética da Igreja, como Corpo de Cristo

Eduardo Ribeiro Mundim*

A Igreja é o Corpo de Cristo. Esta metáfora é empregada mais de uma vez nas Escrituras, de forma suficientemente claro para que não ser tomada como um acidente, uma ideia passageira. É uma realidade indiscutível, ainda que não visível, mas revelada pelas Escrituras. E esta é uma das funções das Escrituras: revelar aquilo que não pode ser conhecido pelos meios que dispomos, pela nossa tecnologia, pelos nossos órgãos do sentido, pelo nosso intelecto.

Somos Corpo. O que isto significa? Como isto é possível? Quais os desdobramentos deste fato?

São estas as questões que proponho apresentar a vocês esta noite, usando a epístola de Paulo aos efésios como fio condutor.

Como o Corpo é constituído

Ef 1.4-6: “Porque Deus nos escolhe nEle antes da criação do mundo...em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos.”

O corpo é constituído livre e soberanamente por Deus Pai. É Ele que destina antes da criação do mundo o nosso destino, e o faz única e exclusivamente por amor. Não para o louvor de Sua glória, mas porque sua definição é Amor, ou como um teólogo prefere, Amor Santo.

A quem pede Ele conselho? A ninguém, que eu saiba. Portanto, Ele chama, predestina, escolhe a quem deseja, no momento histórico que deseja, do modo como deseja. Se não é assim, como explicar a lista daqueles a quem Ele chamou para si?
    • os mentirosos e ardilosos patriarcas
    • o assassino Moisés
    • os invejosos e fofoqueiros Arão e Mirian
    • a prostituta Raabe
    • o permanentemente infantil Sansão
    • o adúltero homicida Davi
    • o rebelde Jonas
    • o covarde Pedro
    • o sádico assassino Paulo
    • eu
    • você

Acertadamente o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer escreveu que quando o pecado do meu irmão parece maior que o meu, é porque, na verdade, eu não conheço o tamanho do meu pecado.

A teologia evangélica ensina que não há, na presença do Amor Santo, pecado maior ou menor: mentira, assassínio, rebeldia, covardia, fofoca, sadismo etc, tudo isto é desagradável a Ele, tudo isto nos separa dEle. Mas apesar disto, Ele nos chama. Na Sua presença, quem somos nós para julgarmos o pecado do irmão que está ao nosso lado? Na Sua presença, quem somos nós para avaliarmos nosso pecado como menos ofensivo que o do irmão do lado?

No nosso pecado somos todos iguais, e não há outra atitude possível além daquela exemplificada pela parábola do fariseu e do publicano: “oh Deus, sê propício a mim pecador”.

Porventura nossos belos olhos, ou nossas boas ações, ou nossos bons sonhos, ou qualquer outra coisa ou fato que possamos ter a petulância de considerar bom na presença de Deus foram as razões de sermos escolhidos?

As Escrituras afirmam que Deus deseja que todos sejam salvos (I Tm 2.4) – o que eu tenho, pois, de especial, se Ele almeja o bem de todos?

E na carta aos Efésios, 2.8-9, toda a esperança ou expectativa em algo de bom residente em nós cai por terra: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”.

O Corpo é constituído por pessoas que nós não escolhemos, mas Deus Amor Santo é que escolheu. E se fomos escolhidos, isto se deve única e exclusivamente ao fato dEle nos amar apesar de sermos, na sua presença, intrinsecamente maus. E não há um melhor que o outro, ou mais amado que o outro – alguém consegue uma base nas Escrituras para ista ilusão?

Aliás, deveríamos tomar cuidado em desejarmos ser o “queridinho de Papai do Céu”. O que foi mesmo que Ele mandou Seu Filho Amado, em quem se alegrava, fazer?

Talvez estejamos mal acostumados em vermos apenas os mesmos irmãos todo domingo, vestidos com aquelas roupas especiais e certamente estamos nos esquecendo que, enquanto Corpo, temos a função de levar a mensagem de arrependimento e conversão a quem nós não gostamos, a que nos incomoda com suas vestes, ou adereços, ou comportamento escandaloso, ou pelo exercício inesperado da sexualidade, ou pelas suas dificuldades sociais, ou pelo seu odor, ou pelo que faz para garantir seu sustento. E a mensagem deve ser levada não para que este outro que me incomoda se transforme em alguém que me agrade, mas porque Deus Amor Santo espera que nós o façamos, de forma espontânea, como consequência natural da descoberta de sermos perdoados e aceito por Ele.

Fazemos parte do Corpo? Como ter disto certeza?

Ritos externos, como batismo e profissão de fé, nada garantem. Deveriam ser, sempre, evidências exteriores de duas verdades bíblicas. A de que o Espírito de Deus diz ao meu espírito que dele sou filho, e a de que pelos frutos, ou seja, pelo que fazemos e transpiramos, seremos conhecidos como filhos dEle. Uma, evidência interna, que pode ser enganadora, apenas uma certeza psicologicamente construída; outra, evidência externa, que também pode ser enganadora, pois não cristãos têm diversos bons frutos para mostrar. Mas é de suspeitar do cristão que teme o inferno e apresenta frutos podres.

Porque o Corpo é constituído

As duas grandes alianças estabelecidas por Deus com a humanidade, via Israel e via Cristo, compartilham semelhanças, mas têm diferenças importantes. Uma delas é o seu modo de entrada. Na primeira, entrava-se via nascimento natural, sem direito de escolha. Crescia-se e era-se educado dentro da Aliança, não podendo dela se afastar. A identidade do povo de Israel, assim como sua posterior constituição como federação de tribos e monarquia unida, pedia uma adesão universal a ela. Na segunda, entra-se através do novo nascimento, sobrenatural, individual, solitário, não testemunhado, parcialmente subjetivo, anunciado por Jesus ao fariseu Nicodemos em Jo 3: “ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo / nascer de cima”. É uma decisão a ser conscientemente tomada, porque ouvir o chamado de Deus, responder positivamente à eleição realizada em Cristo antes da criação do mundo, implica em dois desdobramentos óbvios:

- Ef 1.4, “porque Deus nos escolhe nEle antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença”. Não é possível desejar a aproximação com o Deus que é Amor Santo sem que se deseje tomá-Lo como exemplo e desafio, com vistas à santificação pessoal.

      - Ef 2.10, “porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou antes para nós as praticarmos”. Não é somente nossa predestinação em Cristo que antecede nossa própria existência consciente, mas o objetivo de nossa existência consciente como eleitos é “fazermos boas obras”. A Aliança feita pelo sangue de Cristo não visa nosso próprio umbigo, mas o cumprimento da vontade de Deus; ela não se constitui por palavras, mas por ações que necessariamente são boas.

O Corpo é constituído porque era desejo dEle desde a eternidade tornar todos “concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus Cristo como pedra angular, no qual todo o edifício é ajustado e cresce para tornar-se um santuário santo no Senhor. Nele vocês também estão sendo edificados juntos, para se tornarem morada de Deus por seu Espírito” (Ef 2.19-22).

A ética do corpo

Portanto, fazer parte do corpo tem duas grandes dimensões éticas.

A primeira, da relação dos membros do Corpo com o Cabeça, Cristo, e com aquele que o constituiu, Deus Pai: (Ef 4.16) “crescer e edificar-se a si mesmo em amor, na medida em que cada parte realiza sua função”. E isto somente pode ocorrer se (Ef 3.18-19) “estando arraigados e alicerçados em amor, vocês possam, juntamente com todos os santos, compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo que excede todo conhecimento, para que vocês sejam cheios de toda a plenitude de Deus”.

A segunda, da relação dos membros do Corpo uns para com os outros. A metáfora do corpo, ilustração da sua realidade, obriga que os membros trabalhem em sintonia e concordância, cada um em sua função, a seu tempo. Obriga também que cada seja saudável, para que o corpo inteiro o seja. E para isto, atitudes pró-ativas são necessárias. Ef 4.22-24 apresenta verbos na voz ativa, aquela que faz, que assume o ato, e não na passiva, aquela que sofre a ação: “despir-se do velho homem”, “revestir-se do novo homem”. Despir-se do velho homem “que se corrompe por desejos enganosos”, endurecido de coração, insensível, entregue à depravação, sem entendimento das coisas de Deus, em especial da Sua radical santidade e da nossa radical pecaminosidade.

Ef 5.3 ss comanda que ativamente se evite, mesmo que se deseje, a imoralidade sexual, a impureza, a cobiça, as obscenidades, as conversas tolas, os gracejos imorais e inconvenientes. Porque aqueles que não evitam, mas que buscam de forma continuada atitudes semelhantes a estas, “não têm herança no Reino de Cristo e de Deus”, pois a ele não pertencem por não terem, verdadeiramente, “nascido da água e do Espírito”. Porque aqueles a quem o Espírito de Deus testifica que são Seus filhos buscam a bondade, a justiça, a verdade, o que é agradável a Deus, inclusive no trato com as mui humanas e inevitáveis vivências da raiva, das tentações do enriquecimento desonesto (seja roubando o irmão, seja fraudando o imposto de renda) e do palavreado agressivo e ofensivo, da atração pela amargura, gritaria, calúnia.

Para que o Corpo cresça em harmonia não pode haver quem passe fome ou necessidade, tendo todos os membros de se relacionarem com bondade, identificando-se com o outro em suas dificuldades estejam elas onde estiverem (incluindo aquelas áreas tabus), exercitando o perdão mútuo (do contrário, orar para que “perdoe as nossas dívidas como perdoamos aos nossos devedores” passa a ser, na melhor das hipóteses, tentativa de suicídio) – condição inegociável para se participar da Ceia do Senhor.

Enquanto corpo estamos todos no mesmo barco, pois somos pecadores permanentes em busca permanente de santidade, tanto na nossa vida pessoal quanto na nossa vida social. Somos braço efetivo de Deus neste mundo caído, assim como Seu braço efetivo entre nós, para nos curarmos mutuamente e permanentemente, até que o Cabeça do Corpo venha, ou nós nos reunamos com ele em nossa morte.

Que Ele nos ajude.

Amém.



* apresentado no culto vespertino do dia 29/04/12, na Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte