quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A Parábola do Filho

(Mt 7.11)

 

Eduardo Ribeiro Mundim

Escrito em 15/03/99

 

            Jesus sempre teve um cuidado e um carinho especial para com as crianças. Todos que são familiarizados com as Sagradas Escrituras conhecem os textos como Mt 19.13-15: "deixai as crianças e não as impeçais de virem a mim, pois delas é o Reino dos Céus". Freqüentemente Jesus as usava como parábola. Por exemplo, na situação desagradável causada pelos doze, quando discutiam sobre quem seria o maior no Reino dos Céus: "Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus" (Mt 18.3). E no texto em foco, o exemplo é retirado do dia a dia ordinário: "Quem dentre vós dará uma pedra a seu filho, se este lhe pedir pão? Ou lhe dará uma cobra, se este lhe pedir peixe? Ora, se vós que sois maus sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está nos céus dará coisas boas aos que lhe pedem!"

 

            Um dos modos de definirmos Deus (e enquanto seres humanos necessitamos de conceitos, sejam eles claramente formulados ou não) é através de Seus atributos: amor, justiça, bondade, misericórdia, etc. E sem dúvida, temos uma dificuldade muito grande em lidarmos com os aspectos contrastantes: amor e justiça. A dificuldade é evidente nas nossas dicotomias: intelectualmente, O reconhecemos como Pai amoroso, mas no nosso coração predomina aquela figura de um quadro muito famoso, onde a Trindade é representada por um olho que tudo vê (e pune). Nossa boca confessa o perdão que a morte e a ressurreição trouxeram, mas nossas atitudes demonstram a pouca confiança que temos nele. Constantemente nosso lado mórbido é chamado a expressar-se.

 

            Temos pouca tolerância com nossos erros e pecados. Erroneamente o chamado para sermos santos "como Deus é Santo" é compreendido, na prática, como uma proibição de falhar. E qualquer falha como um desastre, cujas proporções são ditadas mais pelo nosso sentimento de culpa patológico que por uma avaliação honesta do significado dela em nossa vida e em confronto com as Escrituras.

 

            A partir do momento que me tornei pai comecei a ter experiências únicas, difíceis de descrever, tanto objetivamente como subjetivamente. Aqueles que têm a mesma experiência (incluindo as mães) as reconhecerão com facilidade. Penso naquela fase onde a linguagem está começando a se desenvolver, e portanto, o raciocínio está iniciando sua complexidade. Um dos meus prazeres na paternidade é ver meu filho de 2-3 anos crescer e se desenvolver; adquirir novas habilidades; dar gritos de alegria quando consegue vencer algum obstáculo. Meu coração se enche de ternura quando ele se aborrece por não conseguir alguma coisa que arduamente tenta e não consigo me irritar por demonstrar inumeráveis vezes o que deve e o que não deve ser feito.

 

            Determinado dia, flagrei a mim mesmo pensando que, na verdade, Deus deve agir conosco do mesmo modo com agimos com nossos filhos nessa idade. A diferença entre eles e nós é óbvia; nossa estatura, física, intelectual e emocional é bem "superior". Parece existir uma grande distância entre nós. Talvez seja óbvio que é uma distância bem menor que o abismo que nos separa do Pai: "Com efeito, os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e os vossos caminhos não são os meus caminhos, oráculo de Iahweh. Quanto os céus estão acima da terra, tanto os meus caminhos estão acima dos vossos caminhos, e os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos"(Is 55.8,9). Mas o fato é que a distância, para nossos filhos, é intransponível, nesse momento, tão intransponível quanto a nossa distância para o Pai. É claro que o tempo e uma educação adequada a farão diminuir, mas, mesmo assim, ela sempre existirá, com cores e ênfases diferentes. Em relação a Deus, é óbvio, nosso progresso é e sempre será infinitamente menor.

 

            Ora, se nós, com nossas imperfeições, nosso cansaço e nossa frustração diária sabemos nos comportar assim quanto mais nosso Pai Celeste? Não seremos nós juízes severos demais de nós mesmos? Quantos dos nossos pecados não serão tão graves quanto a dificuldade das crianças em permanecer em pé enquanto tomam banho sobre um piso escorregadio? Quantos dos nossos erros não serão simples e inocentes travessuras?

 

            Não estou afirmando que Deus não é justiça e que não há punição para erros (e, habitualmente, elas são mais conseqüências naturais das nossas escolhas que uma ação direta, pessoal, única, a nós dirigida). Mas questiono o rosto por demais severo de Deus que muitos de nós temos cultivado e transmitido a nossos conhecidos e pior, a nossos filhos. Muitos de nós, devido as nossas características mórbidas pessoais preferimos ouvir falar sobre o juízo que sobre o perdão, sobre o castigo que sobre o abraço amoroso. Desequilibradamente enfatizamos mais o versículo "sou um Deus ciumento, que puno a iniquidade dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam" e não nos deixamos penetrar, até o fundo de nossa alma doentia, pelo seu complemento "mas que também ajo com amor até a milésima geração para aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos" (Ex 20.5,6).

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