Eduardo Ribeiro Mundim
Somos seres humanos, e como tais, repletos de desejos que conhecemos e desconhecemos; com uma história pessoal que nos motiva a tomar certas atitudes conscientemente, e a fazer certas escolhas e a não fazer outras, também conscientemente; mas muitas atitudes e escolhas ocorrem sem que as razões e motivações sejam claras. E quando oramos, tudo isto, e muito mais, é o terreno no qual construímos esta relação. Portanto, um grande risco na oração é querermos transformar Deus em um mero efetivador de nossa vontade, no lugar de buscar um despreendimento progressivo “das coisas que para trás ficam”, dos frutos da carne, da nossa natureza mais íntima que milita contra o Espírito.Certamente dependemos de Deus para nossa sobrevivência; somente pela Sua graça comum é que conseguimos sobreviver neste mundo muitas vezes cruel. Certamente necessitamos expor-lhe nossas necessidades. Contudo, Ele não se confunde com nossas carências, do mesmo modo como o leite do seio materno não é a própria mãe, nem a função dela se resume na produção e entrega lácteas.
Segundo alguns, a verdadeira oração é aquela capaz de sobreviver a não resposta, a não satisfação de nossas necessidades. Afinal, se oramos “seja feita a Tua vontade” aceitamos a possibilidade de não termos nossas súplicas atendidas; se buscamos comunhão com Deus deve ser pelo prazer que Sua companhia desperta, e não pela recompensa, por mais santa e justa que possa parecer. Podemos ter uma ideia fixa, biblicamente embasada, psicologicamente válida, amparada pelo bom senso e a defendermos em oração arduamente, com jejum se necessário...e ficarmos a ver navios...
Esta oração que transcende a necessidade pura traz a aceitação da solidão última de cada um de nós, com a qual temos de conviver, queiramos ou não. Não somos Deus, Ele não é nós; nosso desejo é somente nosso, e impotente, pois não podemos transformar um fio de cabelo nosso de preto em branco, nem crescermos em estatura pela força de nosso querer. Comunhão com Ele não quer dizer fusão com Ele.
Não O vemos; aceitamos Sua existência através de um complexo jogo psicológico e intelectual, cimentado pelas experiências subjetivas cotidianas. Não podemos pedir-lhe prova de Sua realidade; ou do Seu poder; ou chantageá-Lo. O descrente que assiste o crente em oração tem certeza de presenciar uma ilusão pura, uma fantasia ou um delírio. O crente que ora sabe que nada pode provar, e ele mesmo se pergunta sobre sua própria sanidade. Sabe que nenhum sinal lhe será dado, porque o de Jonas já foi-lhe relatado, cabendo-lhe crer ou não; sabe que se for atrás de Jesus por causa do pão, será por Ele rejeitado; sabe que seu Senhor e mestre foi perseguido, humilhado, torturado e morto – e que o servo não pode esperar destino diferente.
O Deus real é bem diferente do dos nossos desejos...
(baseado no livro “Orar depois de Freud”, de Carlos Dominguez Morano, Edições Loyola)
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