terça-feira, 17 de março de 2009

A sombra do suicídio

Uma mulher reúne pequenos pedaços de esperança depois de perder o filho.

Choque: “No momento em que pensei em reconquistar minha família no tranco, Gabriel se suicidou. Ele tinha 23 anos.”

Quando tinha 13 meses de vida, meu filho Gabriel teve seu primeiro ataque de asma fatal. Eu e minha mãe estávamos terminando os ajustes do vestido e das lembranças para o meu casamento que se aproximava. Gabe cresceu desanimado e sua respiração trabalhava incrivelmente. Durante todo aquele dia ocupado, fizemos turnos o acalmando com remédios em casa e chamando o médico. No cair da noite, estávamos na emergência do hospital vendo os milagres que podem ser forjados com adrenalina e esteróides orais. Gabriel passou os cinco dias seguintes, incluindo o do casamento, se recuperando no tubo de oxigênio.

Essa memória me lembra que alegria, dor e doença estão sempre misturados em minha família. Gabriel é a criança metade tanzaniana de um romance universitário falido. Não havia o que esconder nas circunstâncias de seu nascimento depois que casei com um homem branco como eu. Também não havia remédio para a dor sentida, que não fosse o bálsamo do amor.

Por aproximadamente duas décadas o amor deu rédea a Gabriel, seu irmão, meu marido e eu, como se galopássemos lindamente pela vida. Então tivemos uma surpresa. Enquanto Gabe se formava na universidade, era também mal visto por nossos conhecidos e pelos outros. Infelizmente, nossas experiências pessoais com a igreja tinham deixado meu marido e eu mancando e meus filhos desmotivados. Novamente falei pra mim mesma que remédios em casa e o tempo iriam nos curar. Contei para outros que iria provar a supremacia do amor nas vidas de meus filhos. “No momento em que pensei em reconquistar minha família no tranco, Gabriel se suicidou. Ele tinha 23 anos.”

As lembranças são de calma entre inexoráveis ondas de tristeza e culpa. Isso me lembra que eu não sou Deus. Não posso saber ou ver tudo. Isso também me lembra das muitas vezes que consegui ajuda para meu filho antes que fosse tarde demais. Minha sanidade e fé demandam cada lembrança.

Mais cedo, o suicídio é como uma cruel brincadeira cósmica. Era como se Deus ou o diabo, ou algum Jó, estivessem escarnecendo ou brincando conosco. Teríamos eu e meu marido sido pais não dedicados ou imperfeitos? E qual tipo de ironia horrível foi essa que o nosso garoto com uma grande disposição, o qual tinha uma história com uma grande mensagem de vida, tiraria sua própria vida? Seu legado seria reduzido a símbolos contra o estigma social, no aniversário ou morte? Eu não tinha sido submetida, no dia anterior, a uma história do Fórum de Psiquiatria e Espiritualidade na Universidade da Califórnia-Irvine para uma nova saída? Meu interesse havia sido suprimido pela minha preocupação materna? Até bloguei em um fórum sobre prevenção de suicídio. Claramente, deveria ter reconhecido os sinais de aviso.

É uma virada diabólica, onde quem exibe os mais pronunciados sinais de aviso de suicídio tende a escolher recursos menos letais, enquanto aquele que age impulsivamente tende a exibir poucos sintomas e empregar métodos mortais - como fogo ou se jogar de um precipício. Menos de 10% dos sobreviventes de tentativa de suicídio prosseguem em tirar suas vidas. Para mais de 90% a crise passa.

Logo depois que a polícia veio e anoiteceu, eu não chamei um pastor ou um amigo, mas Aaron Kheriaty, o psiquiatra que me direcionou para o Fórum de Psiquiatria e Espiritualidade. Ele pacientemente assegurou que a morte de Gabriel não era nossa culpa e, gentilmente, mas com firmeza, insistiu que a morte nunca faria sentido: o suicídio é um ato inerentemente irracional. Kheriaty era uma pessoa segura para convidar ao nosso momento de horror, ao contrário de alguns pastores que mais tarde descreveram o suicídio como uma escolha imprudente e uma simples falha espiritual.

Kheriaty também falou no funeral de Gabriel. Ele produziu uma estrutura para meu desgosto e providenciou descanso para minha mente, que travava batalhas de dúvidas.

Nós sobreviventes relembramos as conversas finais com o falecido em nossas mentes - como aquela que Gabriel teve com um amigo dias antes da morte, na qual falava sobre os recursos que iria empregar. Ou daquela que tive com ele antes dele sair naquela noite. “Gabe, querido”, eu disse, “O que está acontecendo? Seus olhos parecem mortos”. Ele somente fez como que se não precisasse de nada e o deixei ir.

Gabe, como aproximadamente metade dos universitários, se tornam depressivos quando deixam sua casa. Eu o incentivei a procurar conselhos no serviço escolar. Em retrospectiva, desejei que tivéssemos estabelecido um ultimato: “Procure ajuda ou volte pra casa”.

Somente no final de semana seus sintomas se tornaram subitamente, mas incrivelmente pronunciados. Ele se tornou retirado e irritante, com humor oscilante. Notícias de empréstimos e delinqüência chegavam ao correio quase que diariamente. Ele usava roupas sujas para ir trabalhar, dormia pouco e aparentava pouco apetite.

Entretanto, antes de sua morte, Gabriel se apresentou em um clube de comédia em pé. No dia de sua morte, brincou com colaboradores e publicamente professou seu amor por Jesus. Especialistas descrevem essa contradição como “suicídio calmo”, que acontece quando alguém decide, finalmente, acabar com o tormento mental. O olhar vago que notei em seus olhos foi uma função de depressão suicida e desprendimento. Em mente e em espírito, ele já tinha nos deixado.

Sobreviventes precisam de tempo e espaço para vir à realidade de auto-avaliação. Kheriaty fechou essa mensagem com uma meditação do Príncipe da paz. Na cruz e na sua agonia, nosso Senhor sofreu não somente nossas aflições físicas, mas nossas angústias mentais também.

Fora de nossas profundidades, choramos para ele, e Jesus alcança o nosso profundo e nos levanta com ele. Deus sabe da profundidade do nosso sofrimento. Ele sabe do nosso coração frágil. E o coração do próprio Cristo, um coração de carne, um coração tanto humano quanto divino, é misericordioso além da medida. E é nessa misericórdia que colocamos nossa esperança. É nessas mãos esticadas na cruz num gesto de amor que confiamos Gabriel.

Quando penso em tudo que Gabriel sofreu em sua vida, não entendo. Descobri que é difícil confiar em Deus ou me engajar com intimidade como fiz uma vez. E. ainda todo dia, inalo um momento de graça. Estou imensuravelmente grata pelo privilégio de ter sido a mãe de Gabriel. Pela fé, vejo agora que meus encontros acidentais com Aaron Kheriaty não foram uma piada cósmica, mas uma evidência da imanência de Deus.

Como Gabriel estava caminhando para fora da porta desta vida, eu o chamei, “eu te amo”. Amor é tão forte como a morte, Salomão escreveu. O amor de Deus é mais forte.


Christine A. Scheller é escritora e mora no centro de New Jersey, EUA.

Copyright © 2009 por Christianity Today International

(Traduzido por Sulamita Ricardo)

extraído de http://www.cristianismohoje.com.br/artigo.php?artigoid=38353

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