João Heliofar de Jesus Villar
Até onde você pode defender suas posições num debate público com base em suas convicções religiosas? Recentemente vi um artigo publicado num site cristão em que o autor dizia que pessoalmente era contrário ao aborto, mas que não se sentia com direito algum de intervir na escolha que eventualmente uma outra pessoa quisesse fazer a respeito do assunto. Ser contra o aborto nesses termos é de uma inutilidade prática absoluta.
Essa é a posição mais comum hoje: a de Barack Obama. Nela, como indivíduo e como cristão, posso ser contrário ao aborto e a outras práticas que ofendam os princípios cristãos, mas como cidadão não posso querer que outras pessoas -- que não professam a minha fé -- se sujeitem a essa posição. Desse modo, sou individualmente contrário a isto ou aquilo, contudo não me oponho a que o Estado legalize essas situações (aborto, células-tronco etc).
O fundamento para essa posição reside numa confusão que precisa de esclarecimento urgente. Normalmente essa postura tem por base o pressuposto de que o Estado é laico. Isso significaria que, como entidade secular, o Estado não pode ter posições religiosas e nem fundamentar suas decisões em pressuposições desse tipo.
Porém Estado laico não significa nada disso e o princípio de sua laicidade jamais deveria servir de cortina para os cristãos se omitirem de se posicionar na arena pública de acordo com suas convicções. Reconheço que é penoso e profundamente desconfortável defender certas posições com base em nossas pressuposições cristãs numa sociedade agudamente secularizada, especialmente quando a mídia já definiu o jogo contra nós. Mas daí, para se livrar do desconforto de assumir uma posição impopular, invocar o princípio de que o Estado é laico e dizer que não posso obrigar os outros a terem a minha posição é renunciar do modo mais covarde o nosso papel de ser sal em meio à nossa geração.
O princípio da laicidade implica que o Estado não pode favorecer uma religião. A primeira regra escrita surgiu na Constituição dos Estados Unidos, a qual dizia que "o Congresso não aprovará nenhuma lei relativa ao estabelecimento de religião ou que proíba seu livre exercício". Como se vê aí, a regra não implica amordaçar a ética cristã na arena pública, mas garantir a neutralidade do Estado em matéria de religião.
O Estado é religiosamente neutro, contudo não devemos esquecer que suas leis refletem a ética de seu povo, da sociedade. O Estado, quando autoriza o aborto, está fazendo uma opção ética: está sinalizando sua posição quanto ao que ele entende o que é o bem e o que é o mal. A definição da ética estatal depende das forças que gravitam nesse meio social. Se nós, como povo cristão, fazemos parte do Estado brasileiro, por que raios não iríamos querer influenciar na formação da vontade do Estado? Por que razão neste mundo renunciaríamos ao direito de procurar fermentar esse bolo de acordo com os princípios que dizemos crer?
Veja bem, não defendemos uma teocracia e nem desejamos que o Estado se transforme numa igreja ou que patrocine qualquer tipo de culto religioso. Apenas, como parte da nação, queremos participar na formação do rosto social que se reflete nas leis do Estado em que vivemos. Temos uma ética e o direito -- o dever, na verdade -- de defendê-la no debate público. Renunciar a isso e deixar de defender publicamente nossas posições sob o disfarce de favorecer liberdades laicas reduz à cultura de gueto a missão cultural que nos foi delegada por Jesus de Nazaré.
• João Heliofar de Jesus Villar, 45 anos, é procurador regional da República da 4ª Região (no Rio Grande do Sul) e cristão evangélico.
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