Denis R. Alexander Em ciência, modelos rivais frequentemente são foco de intenso debate. O termo “modelo” tem vários sentidos em ciência, mas em geral se refere a uma ideia chave capaz de incorporar satisfatoriamente certo grupo de dados. No começo dos anos 1950, por exemplo, diversos modelos rivais tentaram descrever a estrutura do DNA, a molécula que codifica os genes, mas no final Watson e Crick puseram fim à discussão: o modelo da dupla hélice de fato proveu a melhor forma de descrever a estrutura do DNA.1 Seria possível um modelo único capaz de esclarecer, de um modo semelhante, o relacionamento entre a ciência e a religião? Parece bem improvável. Para começar, ambas são empreendimentos altamente complexos. Além do mais, ambas existem em constante fluxo. Diferentemente da estrutura imutável do DNA, descrita por um modelo único e bem estabelecido descoberto recentemente, não há um relacionamento entre a ciência e a religião aguardando para ser descoberto. Assim, há boas razões para crer que a abordagem mais segura ao investigar ciência e religião seria simplesmente descrever a complexidade dessa relação.2 Mas a vida é curta e modelos têm certa utilidade conceitual para mapear os meios de relacionar diferentes saberes, servindo ao menos como ferramentas introdutórias ao que é agora uma vasta literatura. Ademais, defensores barulhentos continuam a sustentar que um único modelo seria suficiente para cobrir o relacionamento de ciência e religião. Assim este artigo tem dois fins principais: o primeiro é apresentar quatro dos modelos mais importantes, de modo a permitir a visualização das interações entre ciência e fé, e o segundo é criticar a noção de que qualquer um destes modelos isoladamente seja suficiente, embora destacando um modelo em particular que tem se provado o mais frutífero. Tratamentos completos do tema estão disponíveis, apresentando coleções de modelos mais nuançadas.3 Definindo ciência e religião Falar a respeito das interações entre dois corpos de conhecimento já supõe a sua distinção. Tal suposição teria parecido algo sem sentido para os eruditos medievais, para os quais teologia e filosofia natural existiam fundidas em um corpo abrangente de conhecimento. Hoje, no entanto, ao menos no mundo de fala inglesa, o termo “ciência” é comumente usado para se referir à “moderna ciência experimental”, um empreendimento claramente distinto da teologia, sendo as linhas de demarcação há muito reconhecidas pela estrutura universitária. Para os propósitos deste artigo, podemos definir ciência como “um esforço intelectual para explicar o funcionamento do mundo físico, informado por investigações empíricas e conduzido por uma comunidade treinada em certas técnicas especializadas”. Definir religião de forma sucinta é algo notoriamente difícil, mas para os nossos objetivos podemos defini-la como “um sistema de crenças relacionado a realidades transcendentes, concernente ao propósito e ao sentido do mundo, expresso em certas práticas sociais”. Os quatro modelos de relacionamento Vamos descrever quatro modelos, destacando tanto a utilidade como as inadequações de cada um para lidar com os dados disponíveis. Na discussão que se segue, é preciso lembrar que modelos podem desempenhar tanto o papel descritivo como o normativo: eles reivindicam descrever o que a realidade “é”, mas frequentemente são usados para promover o que ela “deveria ser”. 1. O modelo do conflito Como o nome sugere, este modelo propõe que ciência e religião existem em oposição fundamental, e que sempre foi assim. A ideia é claramente expressa por Worrall: “Ciência e religião estão em conflito irreconciliável... Não há modo de manter uma mentalidade apropriadamente científica e ser, ao mesmo tempo, um crente religioso verdadeiro”.4 Note-se tanto a presença de elementos descritivos quanto de normativos em sua afirmação. Apoio para o modelo Sociologicamente falando, há pouca dúvida de que esse modelo permanece popular. Em pesquisa recente entre “UK Sixth Formers” 5 por exemplo, 29% concordaram que “a ciência está em conflito com a religião”.6 Suas suposições são alimentadas pela mídia, que frequentemente favorece o conflito a fim de prender a atenção dos ouvintes. Richard Dawkins é um defensor estridente do modelo do conflito: “Eu retribuo às religiões o cumprimento de considerá-las teorias científicas e [...] eu vejo Deus como uma explicação concorrente para os fatos do universo e da vida”.7 A ideia de conflito é também apoiada pelos ramos mais fundamentalistas das fés abraâmicas, que adotam interpretações muito literalistas da Bíblia ou do Corão. Nos Estados Unidos, cerca de 40% da população sustenta crenças criacionistas.8 Mais recentemente um movimento anti-darwiniano conhecido como Design Inteligente (DI) alcançou a popularidade nos Estados Unidos, reivindicando que certas entidades biológicas são demasiado complexas para terem surgido por “acaso”, o que evidenciaria a sua origem por “design”, alternativamente. Tanto o criacionismo como o DI conduziram a ostensivos processos legais sobre o currículo em escolas nos Estados Unidos. No contexto mais secularizado da Europa, onde os currículos educacionais são estabelecidos nacionalmente, ao invés de o serem por comitês escolares locais, como na América, o criacionismo e o DI atraíram relativamente pouca atenção. A despeito disso, a enorme influência da mídia dos Estados Unidos, somada à cobertura dada por revistas científicas, assegurou a tais conflitos locais uma abrangência internacional. Em geral, o conflito ocorre quando a ciência ou a religião adotam atitudes “expansionistas”, reivindicando responder a questões que pertencem ao outro domínio de inquirição. Em seu livro “Consiliência”, por exemplo, E.O. Wilson sugere que todo conhecimento, sem exceção, incluindo a religião, pode ser transformado em conhecimento científico.9 Muitos cientistas e filósofos, em contrapartida, sustentam que tal expansionismo científico é um abuso da ciência, e que o grande sucesso desta se deve em parte à modéstia de suas ambições explanatórias. Gerações de escritores que promoveram o modelo do conflito tendem a se apoiar em exemplos históricos para sustentar sua tese. Episódios como o choque de Galileu com a Igreja em torno da teoria heliocêntrica, e a suposta oposição da Igreja à evolução Darwiniana são os exemplos costumeiros. Entretanto, apenas a extrema pobreza de conhecimento em literatura de história da ciência permite o emprego de tal material para sustentar o modelo do conflito. De fato, como discutiremos abaixo, a literatura em geral tende a subverter este modelo.10 Uma crítica do modelo do conflito O grau de popularidade de uma ideia no domínio público é um critério pobre para julgar a sua veracidade. Teorias científicas são aceitas com base em dados, não por voto popular. Aqueles que desejam avaliar o modelo do conflito como cientistas devem estar mais interessados em evidências do que em popularidade. O fato de o modelo do conflito ser largamente sustentado por opostos polares, nas margens mais extremas, tanto da comunidade científica como da religiosa, deveria nos fazer cautelosos. O fato é que o número de cientistas especializados em atacar a religião em nome da ciência é um minúsculo subconjunto da comunidade científica. Porém, com a atenção da mídia a voz dos extremistas é amplificada. Polos opostos têm mais em comum do que gostariam de admitir. Mais interessante, no entanto, é a questão das crenças religiosas dos cientistas. Se o modelo do conflito tivesse algum valor, poderíamos prever uma relação negativa entre a prática religiosa e a científica. Nos Estados Unidos, no entanto, os dados sugerem que a crença em um Deus pessoal que responde a orações permaneceu virtualmente inalterada, em torno de 40% dos cientistas entre 1916 e 1996.11 Além disso, há na Europa e nos Estados Unidos uma pletora de sociedades e periódicos envolvendo cientistas que desejam investigar as implicações de sua ciência para a sua fé, e tais atividades não indicam qualquer incompatibilidade intrínseca entre ciência e crença religiosa.12 Os abusos ideológicos da ciência contribuíram muito para o modelo do conflito, mas tais aplicações ideológicas não são intrínsecas às teorias. Não obstante, pessoas frequentemente usam o prestígio da ciência e das “Grandes Teorias”, particularmente, para fundamentar suas ideologias particulares. O fato de a teoria darwiniana, por exemplo, ter sido usada para apoiar o capitalismo, o comunismo, o racismo, o teísmo e o ateísmo deveria, ao menos, levar a uma pausa para reflexão.13 O que solapa o modelo do conflito, talvez mais do que qualquer outra coisa, é a contribuição da crença religiosa para a emergência histórica da ciência moderna. Muitos dos filósofos naturais com papéis chave na fundação das disciplinas científicas atuais viam a sua fé em Deus como uma motivação importante para a exploração e a compreensão do mundo criado por ele.14 A emergência de aspectos específicos da inquirição científica foi nutrida pela fé cristã. A atitude empírica (= experimental), por exemplo, tão central para desenvolvimento da ciência moderna, foi estimulada pela noção de um relacionamento contingente entre Deus e a ordem criada, de modo que as propriedades da matéria poderiam ser determinadas apenas experimentalmente, ao invés de deduzidas de primeiros princípios. A ideia de leis científicas, articulada claramente pela primeira vez nos escritos de Newton, Boyle e Descartes, foi nutrida pela ideia bíblica de Deus como legislador. Hoje nenhum historiador da ciência crê que o modelo do conflito forneça uma estrutura abrangente e satisfatória para explicar as interações históricas entre ciência e religião. Quando a fricção ocorria, tratava-se mais de rusgas entre primos de primeiro grau, e jamais aquele tipo de inimizade que nasce da incompatibilidade essencial.15 2. O modelo “MNI” Stephen Jay Gould popularizou a noção de que ciência e religião pertenceriam a “Magistérios Não-Interferentes”, ou MNI, em sua obra “Rocks of Ages”.16 Segundo ele, ciência e religião operam em compartimentos separados, lidando com questões de tipos muito diferentes; assim, por definição, não pode haver conflito entre elas. Gould sustentou ainda que a ciência lida com fatos, ao passo que a religião lida com ética, valores e propósito. Gould não foi o primeiro a sustentar isso, mas vamos aproveitar o rótulo “MNI”, inventado por ele, por ser muito conveniente. Apoio para o modelo A melhor evidência em favor do modelo MNI é precisamente aquela citada por Gould: de fato, ciência e religião levantam questões de tipos bem diferentes sobre o mundo. A ciência se interessa por explicações mecanicistas, que elucidem a origem e o funcionamento das coisas. Ela busca generalizações amplas, que descrevam as propriedades da matéria para viabilizar predições acuradas. A ciência busca expressões matemáticas de dados, sempre que possível. O teste experimental e a replicabilidade são fatores críticos para o método científico. A religião, em contraste, se interessa por questões últimas; como no famoso aforismo de Leibiniz: “Porque há alguma coisa ao invés de nada?” A religião quer saber, em primeiro lugar, porque a ciência é possível. Nas palavras de Stephen Hawking: “O que põe fogo nas equações?” Porque o universo se dá ao trabalho de existir? Teria a vida um significado ou propósito supremo? Deus existe? Como deveríamos agir no mundo? Gould estava certo: ciência e religião levantam questões de tipos diferentes. Uma crítica do modelo MNI Três críticas principais podem ser levantadas contra o MNI. A primeira é histórica. O próprio Gould mina fatalmente o seu modelo ao escrever cativantes ensaios sobre figuras chave na história da ciência cujas ideias foram grandemente influenciadas por suas crenças religiosas.17 O tráfego constante de ideias entre a ciência e a religião ao longo de séculos, e ainda hoje, é um ponto contra a tese de que elas existem em domínios separados. A segunda crítica principal destaca que, embora a ciência e a religião levantem, sim, questões qualitativamente diferentes, o fato é que ambas se referem à mesma realidade. A ciência deve seu sucesso à natureza restrita de suas indagações. No entanto, mesmo este foco limitado põe à mostra fatos que, para muitos cientistas, têm sentido religioso. O Professor Paul Davies, por exemplo, um cosmologista que não adota nenhuma crença religiosa tradicional, descobriu-se forçado, diante do elegante ajuste-fino das leis que estruturam o universo, a considerar as explicações religiosas.18 Tais conclusões não deveriam acontecer, se o MNI fosse correto em sua versão “forte”. Um terceiro problema do modelo advém do fato bastante óbvio de que tanto a ciência como a religião são atividades profundamente humanas. O cientista com crenças religiosas, que trabalha na segunda-feira com uma equipe de pesquisa na bancada de um laboratório, é a mesma pessoa que adora a Deus com outras pessoas no domingo, em uma igreja. Embora as duas atividades sejam claramente distintas, o cérebro simplesmente não foi projetado para compartimentalizar as diferentes facetas de nossas vidas, como se elas carecessem de conexões. De fato, muitos cristãos encontram sinergias poderosas entre a vida de fé e a vivência científica.19 Ademais, crentes religiosos cuja fé requer bases evidenciais argumentariam que suas crenças religiosas são tão factuais como as suas crenças científicas. Estas características bem estabelecidas do pensamento e da experiência religiosa não se encaixam prontamente com o modelo MNI. 3. Modelos de fusão Modelos de fusão representam o oposto polar do modelo MNI, na sua tendência de apagar completamente a distinção entre os tipos científico e religioso de conhecimento, ou na tentativa de utilizar a ciência para construir sistemas religiosos de pensamento, ou vice-versa. O uso do plural (“modelos”) é necessário porque há uma diversidade de estratégias para a fusão. Modelos de fusão que partem da ciência para a religião são mais favorecidos em sistemas monistas do que em sistemas dualistas de pensamento. Pensar o conhecimento de Deus (teologia) como algo distinto do conhecimento da ordem material (ciência) é mais fácil em culturas influenciadas pelas fés abraâmicas, que tradicionalmente distinguem entre Deus e sua criação. Em contraste, para culturas influenciadas pelos sistemas monistas de pensamento do hinduísmo e do budismo, nos quais todo conhecimento é visto como parte da mesma realidade suprema, até mesmo o falar sobre “relacionar conhecimento científico e religioso” pode soar bem ambíguo. Se todo conhecimento é enfim uma parte da mesma realidade, como em princípio estes domínios podem estar separados? Essa cosmovisão vem alimentando livros que sugerem que a mecânica quântica, por exemplo, se encaixa particularmente com o pensamento religioso oriental, exemplificando assim a abordagem de “fusão”.20 A teologia do processo tem alguma afinidade com os sistemas monistas de pensamento, e em sua “versão forte” exemplifica o modelo de fusão.21 Vindo da direção oposta, os criacionistas apresentam convicções religiosas como se fossem ciência, buscando fundir conhecimento científico e religioso pela priorização das crenças religiosas. Apoio para os modelos de fusão A diversidade entre as tentativas de fundir conhecimento científico e religioso é tal que precisaríamos tratar cada caso separadamente, o que nosso espaço não permite. Mas em geral, os modelos de fusão têm o mérito de usualmente (mas nem sempre) levarem a sério tanto a ciência como a religião; tanto que gostariam de lançar mão das convicções de uma para construir elementos da outra. Tais tentativas devem ser claramente diferenciadas da teologia natural, para a qual certas propriedades da natureza, reveladas pela ciência, expressam a existência e/ou a natureza de Deus. Os modelos de fusão vão além da teologia natural propondo que o próprio conteúdo da ciência informe o conteúdo da crença religiosa, e vice-versa. Uma crítica dos modelos de fusão Duas críticas mais importantes podem ser feitas aos modelos de fusão. A primeira advém da importante decisão tomada pelos fundadores da Royal Society, com sua divisa: “Nullius in verba” (“a mera palavra não é suficiente”), para focalizar a filosofia natural e evitar discutir religião em seus eventos. A decisão não se deveu de modo algum à ausência de convicções cristãs por sua parte -- longe disso -- mas ao seu reconhecimento de que o sucesso no estudo da criação requer um foco em suas propriedades, ao invés do foco em seu sentido supremo. Em retrospecto, a decisão parece ter desempenhado um importante papel, ao encorajar o desenvolvimento da ciência como um corpo distinto de conhecimento sobre o mundo, marcadamente separado, no que tange ao conteúdo de suas publicações, dos mundos da política e da religião. De um ponto de vista pragmático, foi um enorme avanço. Uma grande força da comunidade científica é o fato de pessoas de qualquer fé ou nenhuma poderem cooperar na realização de certos objetivos limitados usando métodos, técnicas e veículos de publicação padronizados. Ademais, uma forte tendência à perda de clareza é o que se obtém quando conceitos científicos e religiosos são misturados confusamente no mesmo discurso. A segunda crítica dirige-se às tentativas de construir as crenças religiosas a partir da ciência corrente. O problema com essa abordagem é que a ciência se move muito rápido. As teorias da moda de hoje são os restos de amanhã. Os que fundamentam suas crenças religiosas em teorias científicas talvez se descubram edificando sobre a areia. 4. O modelo da complementaridade Este modelo sustenta que a ciência e a religião referem-se à mesma realidade a partir de diferentes perspectivas, provendo explanações complementares, de modo algum rivais. A linguagem da complementaridade foi originalmente introduzida pelo físico Niels Bohr para relacionar as descrições da matéria como partícula e como onda; foi necessário sustentar ambas simultaneamente para fazer justiça aos dados. Desde o tempo de Bohr a ideia de complementaridade vem sendo grandemente ampliada, no interior do diálogo entre religião e ciência, de modo a incluir qualquer entidade que requeira múltiplos níveis de explicação para dar conta de sua complexidade. O exemplo clássico é a multiplicidade de descrições necessárias à compreensão do indivíduo humano, que correspondem à variedade de níveis de análise proporcionados por disciplinas como a bioquímica, a biologia celular, a fisiologia, a psicologia, a antropologia e a ecologia. Nenhuma dessas descrições científicas é uma rival das outras -- todas são necessárias à nossa compreensão da complexidade dos seres humanos no contexto de seu ambiente. Um relacionamento complementar semelhante é o que une cérebro e mente. As descrições científicas dos eventos neuronais que ocorrem durante a atividade cerebral complementam a linguagem do “eu”, da agência pessoal, que reflete os pensamentos da mente consciente. Ignorar um nível em favor de outro empobrece a nossa compreensão da personalidade humana. Falando a linguagem da complementaridade, diríamos que a religião provê um conjunto adicional de explanações, fora dos poderes de avaliação da ciência, ligado a questões factuais sobre o propósito supremo, o valor e o sentido das coisas. Nada, nestes níveis explanatórios da religião, precisa existir em rivalidade com os níveis explanatórios da ciência: as descrições são complementares. Assim como é possível, em princípio, usar imagens cerebrais para descrever a atividade neuronal do cérebro de uma cientista enquanto ela avalia dados em seu laboratório e pondera sobre o seu significado para certa teoria, é igualmente possível realizar o mesmo experimento com uma pessoa (a mesma, eventualmente) em outro contexto, enquanto ela mesma avalia a evidência em favor de uma crença religiosa. Porém, em nenhum caso os dados gerados por neuroimagem poderiam ser usados para justificar (ou não) as conclusões internas à reflexão dessas pessoas; tais conclusões teriam de se basear nas considerações racionais feitas pelas próprias pessoas envolvidas. As reflexões pessoais e as descrições da atividade cerebral durante tais reflexões fornecem percepções complementares de uma realidade unificada. Mas “ambos” os relatos são essenciais para fazer justiça ao fenômeno. Apoio para o modelo da complementaridade O modelo tem a grande vantagem de levar a sério tanto a explicação científica como a religiosa, fazendo justiça a ambas. Em vez de cair na armadilha do reducionismo ingênuo, de assumir que as explicações científicas seriam as únicas relevantes, aspira considerar as questões mais amplas e últimas que transcendem a ciência; mas sem desqualificar o conhecimento científico. Ao mesmo tempo, o modelo tende a subverter os modelos de fusão, ao mostrar que estes ou investem as teorias científicas de implicações religiosas injustificadas, ou incorporam crenças religiosas a um contexto científico de modo inapropriado, quando na realidade a situação requer a explicação multifacetada que o modelo da complementaridade proporciona. O modelo também subverte o cenário desejado por Dawkins, citado acima, no qual as explicações científica e religiosa aparecem como rivais. Uma crítica do modelo da complementaridade Duas críticas principais têm sido assestadas contra o modelo. A primeira é a de que ele pode escorregar rapidamente para uma forma MNI, fugindo assim à difícil tarefa de reunir dados aparentemente irreconciliáveis em uma teoria unificada. Esta é uma crítica válida levantada por Donald MacKay, para quem explicações complementares seriam justificadas “apenas quando concluímos que ambas são necessárias para fazer justiça à experiência”. 22 Conforme a segunda crítica, o modelo pode dar a impressão de que a ciência é a esfera da verdade objetiva e dos fatos, ao passo que a religião seria a esfera das convicções subjetivas e dos valores. Porém, não há razão, em princípio, para supor que descrições morais e religiosas não possam ser vistas como factuais tais como as descrições científicas. Podemos aceitar, por exemplo, como um fato moral, que o estupro e o canibalismo são errados. Se aceitarmos tais afirmações como fatos morais, não parecerá irracional argumentar que as dimensões morais ou religiosas em nossas descrições complementares da realidade podem ser tão factuais quanto a descrição científica. Conclusões Não há um modelo único que abranja adequadamente todas as complexidades das interações variadas entre a ciência e a religião. A despeito disso, um modelo parece ser claramente mais útil. Para aqueles interessados em dados, mais do que em retórica, o modelo do Conflito carece de plausibilidade, embora a sua exclusão não implique a ausência de fricção ocasional. Igualmente, o modelo MNI não convence, ao menos em sua forma “forte”. Os modelos de Fusão correm o risco de apagar os limites entre diferentes corpos de conhecimento, que deveriam ser mantidos distintos a bem da clareza. O modelo da complementaridade não dá conta de todas as interações entre a ciência e a religião, mas é válido para muitas delas, reconhecendo que a realidade é multifacetada. Aqueles que pensam que o conhecimento fornecido por sua própria especialidade é o único conhecimento que importa deveriam abrir suas mentes e ser menos paroquiais. Notas 1. Watson J. D. and Crick F. H. C. “Nature” (1953) 171, 737-738. 2. John Hedley Brooke: 161.58.114.60/webexclusives.php?article_id=590 3. Barbour, I. “When Science Meets Religion”. San Francisco: Harper (2000); Haught, J. F., “Science and Religion; From Conflict to Conversation”. Paulist Press (2005); Stenmark, M. “How to Relate Science and Religion”. Grand Rapids/Cambridge: Eerdmans (2004). 4. Worral, J. “Science Discredits Religion”. In: Peterson, M. L. e Van Arragon, R. J., ed. “Contemporary Debates in Philosophy of Religion”. Blackwell (2004), p. 60. 5. “Sixth Form” é o termo usado no sistema educacional britânico para designar os estudos preparatórios para o exame nacional “A Level”, necessário para o ingresso na Universidade. A pesquisa foi feita entre esses estudantes (N. T.). 6. Wilkinson, D. “Hawking, Dawkins and The Matrix”. In: Alexander, D., ed. “Can We Be Sure About Anything?”. Leicester: Apollos (2005) p. 224. 7. Dawkins, R. “River Out of Eden”. Harper Collins (1995), p. 46-47. Em Português: “O Rio que Saía do Éden”. Rocco (1996). 8. Miller, J.D., Scott, E.C. and Okamoto, S. “Public Acceptance of Evolution”. “Science” (2006) 313: 765-766. 9. Wilson, E.O. “Consiliência; A Unidade do Conhecimento”, Campus (1999). 10. Para leitura posterior: Brooke, J. H. “Ciência e Religião; Algumas Perspectivas Históricas”. Porto Editora, 2005. Lindberg, D.C. “The Beginnings of Western Science”, University of Chicago Press (1992); Lindberg, D. e Numbers, R., ed. “When Science and Christianity Meet”. University of Chicago Press (2004); Brooke, J. & Cantor, G. “Reconstructing Nature; The Engagement of Science and Religion”. T & T Clark, Edinburgh (1998); Harrison, P. “The Bible, Protestantism and the Rise of Natural Science”. Cambridge University Press (1998). 11. Larson, E. J. and Witham, L. “Scientists are still keeping the faith”, “Nature” (1997) 386, 435-436. Outra investigação ampla, organizada pela Comissão Carnegie entre 60 mil professores universitários nos Estados Unidos, aproximadamente um quarto de toda a docência universitária no país, mostrou que 55% daqueles envolvidos em ciências físicas e ciências da vida descreveram a si mesmos como religiosos, e cerca de 43% deles vão à igreja regularmente. 12. Por exemplo, “Christians in Science” (www.cis.org.uk); the “American Scientific Afilliation” (www.asa3.org); the “International Society for Science and Religion” (www.issr.org.uk), mas há muitas outras; ver links em: www.st-edmunds.cam.ac.uk/faraday/links.php. 13. Alexander, D. R. “Rebuilding the Matrix; Science & Faith in the 21th Century”, Oxford: Lion (2001), cap. 7. 14. Veja a nota 10. 15. Veja a nota 10. 16. “Non-Overlapping Magisteria -- NOMA”. Gould, S.J., “Os Pilares do Tempo”, Rocco (2002). 17. Por exemplo, Gould, S.J., sobre o reverendo Thomas Burnet (autor da obra setecentista “The Sacred Theory of Earth”), In: “Ever Since Darwin”, Penguin Books (1980), cap. 17, p. 141-146. 18. Davies, P. “The Mind of God; The Scientific Basis for a Rational World”. Simon e Schuster, ed. Reimpressa (1993); Davies, P. “The Goldilocks Enigma: Why is the Universe Just Right for Life?” London: Allen Lane (2006). 19. Berry, R.J., ed. “Real Science, real faith: 16 scientists discuss their work and faith”. Monarch, reprint (1995). 20. P. ex. Zukav, G. “A Dança dos Mestres Wu Li; Um Panorama da Nova Física”, ECE (1979). 21. Whitehead, A. N. “Process and Reality; An Essay in Cosmology”, New York: Macmillan (1929). Critical edn. By Griffin, D. R. & Sherbourne, D.W., New York: Macmillan (1978). 22. MacKay, D.M. “The Open Mind”, Leicester: IVP (1988), p 35. • Denis Alexander é diretor do Faraday Institute for Science and Religion, e “Fellow” do St Edmund’s College, em Cambridge; é também “Senior Affiliated Scientist” no Babraham Institute, em Cambridge, onde foi anteriormente chefe do Programa de Imunologia Molecular e do Laboratório de Sinalização e Desenvolvimento de Linfócitos. O Dr. Alexander é também editor da revista “Science & Christian Belief” e autor de “Rebuilding the Matrix – Science and Faith in the 21th Century” (Lion, 2001). * Esse artigo é parte da série “Faraday Papers”, publicada pelo Instituto Faraday para Ciência e Religião, uma organização sem fins lucrativos para educação e pesquisa localizada em Cambridge, Reino Unido. Uma lista desses artigos está disponível em www.faraday-institute.org. Traduzido por Guilherme de Carvalho. |
Crer não é sinônimo de não pensar. Crer implica em pensar, em relacionar fé com a realidade, questionando uma a partir da outra. O conteúdo são pensamentos às vezes rápidos, em elaboração; outros, já mais elaborados. Ambos buscando provocar discussão e reposicionamentos, partindo sempre da confissão de fé protestante. Os artigos classificados como "originais" podem ser reproduzidos desde que com a menção da fonte e autoria. Ano V
quarta-feira, 13 de maio de 2009
Modelos para relacionar ciência e religião*
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário