terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Amor ou farisaísmo

 
Data da impressão: 23 de janeiro de 2009

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Bráulia Ribeiro

Tenho fé, aquela firmeza interior de reconhecimento da limitação de minha humanidade, e da grandeza de Deus. Sei que, apesar da sublimidade de Deus, posso me relacionar com ele de uma maneira pessoal. A fé bíblica não é apenas um consentimento intelectual com as verdades do evangelho; o relacionamento com o alvo de minha fé é essencial. A fé verdadeira também demanda um compromisso da vontade com as conclusões a que chega minha mente. Torno-me uma realização viva das verdades em que creio.

No mundo de hoje, no entanto, os pressupostos da crença em Deus valem menos do que as emoções que a crença me traz. E estas emoções, contraditoriamente, são geradas por coisas que não têm nada a ver com ele. A rigidez cultural da religião me traz muito mais conforto emocional do que seguir o Espírito. Torna-se complicado exercer uma fé simples porque as emoções humanas são sempre complexas. Jesus me faz tão bem... Como chocolate, pimenta ou sexo, Jesus se tornou um estimulador da produção de endorfinas. Com esta lógica, deixo de ter parâmetros para julgar minha fé. Tudo o que me faz bem deve ser produto de fé.

O Espírito Santo, paciente no seu papel de me alertar, me diz que não é assim e que não preciso me sentir bem com qualquer coisa o tempo todo. Questiono-me ao julgar decisões ou adotar posturas, se o faço por dogmatismo cômodo, por mero conforto emocional, por medo ou por convicção real. Não é fácil separar farisaísmo de amor verdadeiro, mera religião de fé, medo de coragem profética.

Uma maneira de se descobrir a qualidade da fé que se tem é no ambiente de ausência dela. Se circulamos apenas entre cristãos que rezam pela mesma cartilha doutrinária, dificilmente teremos nossa fé/emoção religiosa colocada à prova. É num ambiente de questionamentos, deboches, críticas, que podemos testar a força de nossas convicções.

Este ano a questão do infanticídio atraiu a máfia ideológica pró-índio, que odeia as missões cristãs. Fui submetida a diversas sabatinas. Algumas feitas por entrevistadores apenas curiosos; outras, por repórteres especialistas em enganar o entrevistado. Em muitos momentos tivemos de nos questionar para saber o que realmente cremos e como apresentar o que cremos ao público.

Por mais confortável que me faça sentir o atribuir ao diabo as perseguições, o pensar que estamos sofrendo por amor a Cristo, um subproduto da fé, o Espírito Santo novamente me leva por um caminho diferente e me diz que estou sofrendo devido à minha própria burrice.

Durante muitos anos, como missão só nos comunicamos com a audiência evangélica. Não havia nem ao menos interesse de nossa parte de falar com o mundo de fora. Vivíamos como a maioria dos crentes, no mundo hermeticamente fechado da religião, e nossa única obrigação com o "mundo" era o "kerigma", a proclamação da fé. Hoje, graças ao desconforto do Espírito, considero esse isolamento indesculpável e vejo que sofremos perseguição não por causa do evangelho, mas por causa de nosso pecado de negligência com a missão mais ampla da igreja. Não amei a sociedade ao meu redor o suficiente para considerá-la digna de receber minha prestação de contas em sua própria linguagem. Aliás, tenho muita dificuldade em falar o "socialês"; já o "crentês" sai com facilidade. Não amei os movimentos indigenistas para ser transparente e compreensível, para educá-los numa abordagem mais humana. Tornamo-nos, por orgulho religioso, uma utilidade pública -- sem utilidade pública --, e isto é para nós hoje a desconfortável marca do pecado, que vamos carregar por algum tempo.

Ser sal da terra e luz do mundo, dois conhecidos elementos anti-putrefação, não é coisa simples. Ser fariseu é fácil, viver a fé é difícil.


Bráulia Ribeiro, missionária em Porto Velho, RO, é autora de Chamado Radical. braulia_ribeiro@yahoo.com
 
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